Governo pede auditoria a empresa que gastou 20 milhões a internacionalizar Santa Casa

A aposta da Santa Casa da Misericórdia em África e na América do Sul, que está a ser levada a cabo pela Santa Casa Global, já custou 20 milhões de euros, mas dois anos depois ainda não há receitas.

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Em 2021, a Santa Casa Global apresentou um resultado líquido negativo de 2,17 milhões de euros SEBASTIAO ALMEIDA

O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) pediu uma auditoria externa à Santa Casa Global, criada para gerir lotarias e jogos de apostas no mercado externo, disse nesta segunda-feira fonte do gabinete da ministra Ana Mendes Godinho à agência Lusa.

De acordo com a mesma fonte, estão actualmente a decorrer dois processos distintos, por um lado a reavaliação dos Relatórios de Gestão e Contas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) relativos aos anos de 2021 e 2022, e por outro uma "avaliação externa e independente à Santa Casa Global, no âmbito do processo de internacionalização de jogos".

A reavaliação dos Relatórios de Gestão e Contas de 2021 e 2022 surge depois da "avaliação profunda" pedida pelo MTSSS para homologar as contas da instituição, e da qual a ministra deu conta em Abril numa audição no Parlamento, a pedido do PSD, sobre a gestão da SCML.

Fonte do MTSSS explicou que, depois de concluída essa "avaliação profunda", foi pedida à SCML uma reavaliação das contas dos anos de 2021 e 2022, o que está a decorrer. A auditoria à Santa Casa Global foi mencionada no domingo no espaço de comentário semanal de Marques Mendes na SIC.

Em Abril, quando a ministra Ana Mendes Godinho foi chamada ao Parlamento para esclarecer as razões por que não tinha homologado as contas da SCML, a governante explicou estar em curso "uma avaliação profunda a todas as rubricas" e justificou a decisão de não homologação com a "grande variação que houve, seja na despesa seja na receita, que implicou uma avaliação e uma análise profunda das contas, até para garantir o futuro (...) e garantir a sua sustentabilidade".

Paralelamente, o MTSSS pediu uma auditoria externa à Santa Casa Global, uma empresa com a participação da SCML, "operadora de lotarias e jogos de apostas orientada para a criação de parcerias internacionais para implementar e gerir operações fora do território português", cujo despacho data de 12 de Junho.

Tal como o PÚBLICO noticiou no dia 29 de Maio, o projecto de internacionalização da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que está a ser levado a cabo pela empresa Santa Casa Global, já custou 20 milhões de euros, mas ainda não obteve receitas. Segundo apurou o PÚBLICO junto de fonte da SCML, o investimento rondou os 11 milhões de euros em 2021 e ultrapassou os 9,5 milhões no ano seguinte.

A própria Santa Casa Global, criada para implementar este projecto e explorar jogos fora do território nacional, vai voltar a dar prejuízo, segundo a mesma fonte, que não revelou o valor em causa, sublinhando apenas que os resultados do ano passado são negativos e superam os de 2021.

Nesse ano, e de acordo com o respectivo relatório de contas, a Santa Casa Global apresentou um resultado líquido negativo de 2,17 milhões de euros.

Esta empresa nasceu da necessidade, identificada ainda no tempo da gestão de Edmundo Martinho, que foi recentemente substituído por Ana Jorge no cargo de provedor, de criar alternativas para a sustentabilidade financeira da Santa Casa no âmbito de um projecto chamado 5.30.

Com um mercado em Portugal já considerado “maduro”, e perante a responsabilidade de não levar as famílias a um maior endividamento ao criar mais jogos, Edmundo Martinho e a sua equipa viram no estrangeiro a possibilidade de crescer.

Concurso anulado

Neste sentido, a Santa Casa Global, que apenas tem dois anos de existência, começou a explorar oportunidades. Apresentou uma candidatura para concessão dos Jogos Sociais do Estado (JSE) de Angola com um parceiro local, a Topjogos. A parceria foi seleccionada para a fase final do concurso que foi, posteriormente, anulado por se terem verificado inconformidades não passíveis de serem corrigidas, no entender da Comissão de Avaliação do concurso.

A 16 de Outubro de 2021, através de um contrato de prestação de serviços, com a duração de cinco anos, a Santa Casa Global passou a ter a gestão da Sojogo, entidade gestora dos jogos sociais em Moçambique. Esta empresa foi constituída em 2004, tendo a SCML participado com bens no valor de 295.116 euros, o que correspondia a 40 % do capital social — actualmente detém 87,06%.

Os empréstimos concedidos pela SCML à Sojogo, a 31 de Dezembro de 2021, ascendiam a 400 mil euros. Fonte da Santa Casa Global alega que as previsões apontam para que a Sojogo venha a dar lucro no próximo ano, situação que até aqui não se verificou.

Depois, a Santa Casa Global decidiu rumar à América do Sul. Para concretizar esse objectivo, investiu numa empresa de base tecnológica, a Ainigma Holding Services, que assegura o desenvolvimento da plataforma utilizada pela Nexlot, operador de lotarias, no Peru. Foi lançada a lotaria Torito de Oro, por exemplo, mas até ver também não há receitas. Fonte da Santa Casa Global diz que, além da pandemia, o negócio tem sido muito afectado pela instabilidade política no país.
Outra aposta muito forte, onde, aliás, a Santa Casa Global tem investido a maior parte do capital, foi o Brasil. A estratégia incluiu a aquisição de uma participação financeira numa empresa que opera a lotaria no estado do Rio de Janeiro, a MCE, conseguindo o acesso ao conhecimento necessário à operação no mercado brasileiro, essencial à concretização dos objectivos.

Aliás, em Abril, e antes de sair, Edmundo Martinho anunciou que a empresa tinha sido escolhida para, em regime de exclusividade e em consórcio com a entidade pública do Banco de Brasília, explorar e operar os jogos e lotarias neste Estado.

Suspensão do negócio

Porém, no dia 8 de Maio, segundo avançou no dia 12 de Maio o site de notícias brasileiro Notibras e o PÚBLICO confirmou junto do próprio tribunal brasileiro, o Tribunal de Contas do Distrito Federal determinou a suspensão do negócio, solicitando que, no prazo de 30 dias, prestasse esclarecimentos sobre a sua competência no âmbito da exploração de jogos sociais e lotarias e sobre os procedimentos formais do processo.

Este projecto está, assim, num impasse, tal como a ideia de avançar com um investimento nos Países Baixos para a aquisição de uma licença para exploração de jogos online, que está à espera de uma avaliação da nova provedora da SCML, Ana Jorge.

Por concretizar também ficou a ideia de alienar, no ano passado, 40% da Santa Casa Global por 23,5 milhões de euros. Segundo o Plano de Actividade da SCML para 2022, esta proposta visava reduzir o esforço financeiro e o risco a que a instituição está exposta, no âmbito da internacionalização do jogo.

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