Imobiliário: da imoralidade à insustentabilidade mediada

As cidades são o resultado de inúmeros agentes, imobiliários ou não, mas cada um deles desempenha o seu papel num sistema complexo em permanente transformação.

Foto
Megafone. Imobiliário: da imoralidade à insustentabilidade mediada Nuno Ferreira Monteiro
Ouça este artigo
00:00
03:00

Em 2015 adquiri um apartamento. Os preços estavam baixos, havia muita oferta e poucas eram as agências imobiliárias, menos ainda os consultores imobiliários independentes. Apesar de ter trabalhado alguns anos como engenheiro civil no planeamento e gestão de empreitadas públicas e de agora fazer investigação em planeamento urbano, nunca trabalhei directamente no sector da construção para habitação.

Ou seja, estou plenamente consciente das minhas limitações. Na altura visitei várias casas e cruzei-me com vários agentes imobiliários. Alguns diziam automaticamente: “A construção é muito boa”. Ao que eu perguntava: “Mas acompanhou a obra?”. Acabei por comprar aquele que começou por identificar os defeitos da construção.

Esta história inicial parece uma caricatura, mas aconteceu realmente. A pessoa que me vendeu o imóvel trabalhava há muitos anos no sector, para uma agência que era também uma construtora. Ou seja, isso notava-se depois na prática profissional.

Hoje, vivemos um fenómeno estranho, em que brotam agentes imobiliários em todo o lado. As cidades inundadas de propaganda imobiliária, de marketing duvidoso que transforma a venda de casas em slogans motivacionais e afirmações de personalidade. Dei por mim a ver pessoas que conhecia, sem qualquer relação com o sector da construção, a trabalhar como agentes imobiliários, de um dia para o outro.

Obviamente que as pessoas podem mudar de profissão e querer aprender. No entanto, os processos especulativos estão a gerar drama social. O valor acrescentado que cada profissional traz à fileira da construção levanta questões morais.

Sabemos que os honorários e margens dos projectistas não têm subido. Que a mão-de-obra das construtoras aumentou, mas não na proporção dos valores de venda dos imóveis. Os materiais ficaram mais caros, é um facto. Mas nem só deles se ergue um edifício, havendo arte e engenho para os saber utilizar e aplicar de forma mais eficiente e sustentável.

É aqui que entra o conceito de moralidade na fileira da construção. Estão esses valores equilibrados, e na proporção da responsabilidade, esforço, desafio e conhecimentos necessários? Não sei a resposta, mas sei que a pergunta é pertinente e urgente.

Se tantas pessoas se dedicam às transacções imobiliárias, é porque existem lucros significativos a colher. Também porque é algo que se pode fazer rapidamente. Não são precisos anos de formação e validação para ser agente imobiliário. Por isso, a mediação imobiliária será a parte onde os rendimentos são mais imediatos no sector.

Seguramente que existe uma grande desproporção nos rendimentos dos vários agentes. O problema são os menos competentes que apenas se mantêm devido à onda da especulação imobiliária. As cidades são o resultado de inúmeros agentes, imobiliários ou não, mas cada um deles desempenha o seu papel num sistema complexo em permanente transformação. Por isso importa questionar os efeitos de cada um. Dificilmente se resolve o problema sem aferir a qualidade real da construção dos preços.

Sugerir correcção
Ler 9 comentários