O agente imobiliário de braços cruzados

A falta de mínimos no mercado imobiliário veio não só prejudicar o cliente final, como também elevar a fasquia aos profissionais que realmente se empenham e se esmeram visando destacar-se no seu ofício.

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nfs Nuno Ferreira Santos

Consultor imobiliário, agente, angariador, mediador, gestor de património ou simplesmente vendedor de casas, a denominação é irrelevante. O conceito estereotipado está desactualizado.

O mercado da mediação imobiliária em Portugal é assustador. Não há barreira de entrada. Não há escolas, não há exames, não há padrões mínimos de qualidade exigidos de um indivíduo para poder exercer esta função. Se amanhã me levantar com vontade de vender casas, dirijo-me a qualquer uma agência imobiliária (que, por sinal, estão sempre a recrutar), digo o meu nome, idade, provo que sei falar português et voilà, sai o consultor imobiliário número 27.000.

A falta de mínimos no mercado imobiliário veio não só prejudicar o cliente final, como também elevar a fasquia aos profissionais que realmente se empenham e se esmeram visando destacar-se no seu ofício. Como? Face à persistente falta de qualidade na prestação do serviço, no auxílio à compra, mas sobretudo na assessoria no processo de venda, o público ficou descrente da necessidade de contratar profissionais para exercer uma actividade que realmente os necessita. Honestamente, se o historial de operações levadas a cabo por cirurgiões fosse tão catastrófico como o historial de processos geridos por mediadores imobiliários, era provável que optasse por me operar sozinho antes de sequer ponderar recorrer a um médico.

A reputação desta profissão é tão má que, se tiver curiosidade e for navegar por qualquer portal independente de venda de imóveis, nove em cada 10 descrições contêm em maiúsculas uma frase do género “Não se aceitam contactos de agentes imobiliários”. Quando a opinião do público está num patamar tão negativo que crê que, ao contratar um terceiro para a prestação de um serviço, está a beneficiar mais esse terceiro do que a si próprio, sabemos que algo está mal e precisa mudar.

Em parte, o recrutamento é o negócio das imobiliárias, no mínimo à prima todos vendemos uma casa. A questão aqui é que uma centena de primos são mais fáceis de arranjar do que um bom consultor que obtenha os mesmos resultados — e daí grande parte destas empresas focarem-se tanto no recrutamento em detrimento da formação e retenção dos seus comerciais. É mais fácil, mais barato e, acima de tudo, mais cómodo. É deste recrutamento em massa que surgem os robôs congéneres.

A figura do consultor de braços cruzados é, a meu ver, quase tão anacrónica como o engenheiro nerd com óculos, o piloto fumador ou o professor com um ponteiro de madeira. Esta é uma profissão de pessoas para pessoas e o que é facto é que ninguém quer saber dos braços cruzados. Ninguém quer saber dos prémios disto e daquilo, de um ou outro ser o melhor desta e da outra zona. É irrelevante. As pessoas querem ser ouvidas, compreendidas e ajudadas. O que interessa é o carácter do comercial em si. O ramo imobiliário é um negócio puramente relacional, em que pessoas superam marcas, basta tomarmos os maiores mercados do mundo como exemplo para verificarmos esta constante.

Afinal de contas, creio que seja uma questão de tempo. Só o mercado pode (e vai) ditar a quantidade de regulação que a mediação necessita, ou até mesmo se é auto-regulatório, no sentido em que quem trabalha mal acaba por desistir da profissão. A minha única certeza é de que nos próximos tempos, muita coisa vai mudar e, como cliente, mas também de uma perspectiva profissional, não podia estar mais entusiasmado.

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