Quem ganha com o turismo em Portugal?

Ao contrário do que nos querem fazer crer, há um desequilíbrio gigante, sempre a favor dos grandes proprietários e investidores, e uma grave falta de coragem política para mudar esta situação.

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No passado dia 14 de Junho, era noticiado que as receitas de hotéis, pousadas, alojamento local e aldeamentos turísticos em Portugal tinham atingido 1,29 mil milhões de euros, um aumento de 47% face ao período homólogo de 2022. O dinheiro que entra no país, por via do turismo ou do investimento estrangeiro em imobiliário, é constantemente usado como argumento para justificar a turistificação e gentrificação cegas das cidades portuguesas.

Esta visão é simplista e enganadora, porque não só retira da equação as consequências negativas destas atividades, como também falha em responder à pergunta mais importante – para quem é que vai efetivamente este dinheiro? Será que ele chega às pessoas mais afectadas, atenuando assim os efeitos negativos do aumento dos preços de bens e da habitação, da perda de serviços e laços de vizinhança, em muito acelerados por estas atividades?

Infelizmente, a resposta não é a que queríamos.

  • Se há tantos lucros no turismo, por que é que o ordenado médio mensal de trabalhadores do alojamento e da restauração continua a ser o mais baixo de todas as actividades económicas (dados Pordata)? Por que é que neste sector até os profissionais altamente qualificados recebem em média menos de 1000€ por mês (dados Pordata)?
  • Se há tantos lucros no turismo e tantos projectos de construção de luxo, por que é que um em cada cinco arquitectos recebe perto ou abaixo do salário mínimo? Muitas vezes sem contratos dignos e trabalhando nos próprios ateliers que fazem projetos milionários de reabilitação nos centros históricos.
  • Se o turismo e a reabilitação foram tão importantes para estes centros históricos, por que é que em Lisboa, todas as freguesias do centro perderam moradores entre 2011 e 2021, com a Misericórdia e Santa Maria Maior a perderem um quarto e um quinto das populações residentes, respectivamente (dados Censos 2021)?
  • Por que é que temos cada vez mais pessoas em situação de sem abrigo, muitas delas com emprego, mas incapazes de pagarem as rendas inacessíveis de um mercado de habitação altamente inflacionado e especulativo?

Vejamos um exemplo concreto de como estes lucros do turismo são usados. A Taxa Municipal Turística de Dormida, vulgarmente chamada de Taxa Turística, é o dinheiro pago por qualquer hóspede (maior de 13 anos) por cada noite a pernoitar num hotel ou alojamento local. De acordo com o Relatório de Caracterização e Monitorização do AL, publicado pela Câmara Municipal de Lisboa em dezembro de 2022, a receita total de taxa turística de 2016 a junho de 2022 foi de aproximadamente 118 milhões de euros só em Lisboa.

Para onde foi este dinheiro? Integralmente de volta para o turismo – para o Fundo de Desenvolvimento Turístico "utilizado na promoção e apoio ao turismo na cidade". Alguns dos maiores projetos realizados por este fundo incluem apoios ao Web Summit ou para os Quiosques da Doca da Marinha, o Pilar 7 na Ponte 25 de Abril ou o Museu do Tesouro Real no Palácio da Ajuda.

Se investimentos na área cultural são importantes, questionamos seriamente a pertinência de vários outros apoios e questionamos também por que nenhum deste lucro reverteu diretamente para a população residente. Não vimos uma política pública de habitação ser feita para servir as comunidades ou para travar os aumentos das rendas e a redução do número de casas para arrendamento tradicional; ou uma política para melhorar escolas ou associações que servem os moradores.

Acreditamos que é perfeitamente possível conciliar uma oferta turística sustentável com medidas redistributivas que apoiem diretamente as comunidades que sofrem os efeitos negativos desse mesmo turismo. Sem redistribuição não podemos ter um Estado com boas políticas sociais. Trabalhadores que ganham mais, também descontam mais para o Estado. Para além disso, atualmente as grandes plataformas e proprietários muitas vezes não pagam impostos em Portugal ou levam os lucros para os países onde estão sediadas ou efetivamente residem.

Não vivemos do turismo, o turismo vive de nós. Os lucros do turismo não vão para quem é mais afetado negativamente por ele. Ao contrário do que nos querem fazer crer, há infelizmente um desequilíbrio gigante, sempre a favor dos grandes proprietários e investidores, e uma grave falta de coragem ou vontade política para mudar esta situação.

Por tudo isto, o Movimento Referendo pela Habitação, um movimento de habitantes que pretende implementar um referendo em Lisboa para que o alojamento local deixe de poder ser feito em prédios destinados a habitação, junta-se no dia 22 de junho a mais uma concentração organizada pela plataforma Casa Para Viver, no Largo Camões, em Lisboa, para contestar a ineficiência do Pacote Mais Habitação e entregar propostas alternativas que respondam eficaz e imediatamente às necessidades da população.

Junta-te a nós! Recuperar Lisboa está nas nossas mãos!

Diogo Guerra e Maria Rosa Hermínia, do Movimento Referendo pela Habitação

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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