Nos EUA, há um telefone no meio da floresta para falar (e homenagear) os mortos

Corey Dembeck pôs o telefone numa floresta em Olympia para homenagear a filha de um amigo que morreu com apenas quatro anos. Neste momento, existem, pelo menos, 50 telefones destes nos EUA.

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A ideia de colocar um telefone para falar com quem já partiu foi de Corey Dembeck Reuters/MATT MILLS MCKNIGHT
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O telefone é inspirado num outro que existe no Japão há dez anos Reuters/MATT MILLS MCKNIGHT
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É uma homenagem a Joelle, a filha de um casal amigo que morreu com quatro anos Reuters/MATT MILLS MCKNIGHT

No meio de uma pacata floresta a seis quilómetros de Olympia, no estado norte-americano de Washington, está um telefone rotativo dos antigos.

Não está ligado a nenhuma rede e parece não pertencer ali, mas tornou-se uma tábua de salvação para muitos dizerem, em voz alta, o que queriam dizer às pessoas queridas que já morreram e que nunca tiveram oportunidade de dizer quando estavam vivas.

Corey Dembeck, 41 anos, criou e instalou o telefone no Parque Squaxin, no final de 2020, depois de saber que a filha de um amigo tinha morrido com quatro anos. Inspirou-se no telefone original que foi colocado em Otsuchi, na província japonesa de Iwate, dez anos antes.

"Uma manhã, acordei e desci as escadas e a minha mulher estava abalada. Disse-me: 'A Joelle morreu'", recorda.

O casal saiu de Olympia depois da tragédia, mas mantém contacto com a família Sylvester, os pais de Joelle Rose, que morreu subitamente depois de ter contraído uma infecção na garganta que lhe provocou uma septicemia [inflamação grave causada por uma infecção] no corpo.

"Aquilo mexeu comigo e, naquele momento, pensei em construir uma coisa destas para eles", explica Corey, veterano do Exército dos EUA que trabalhou como fotojornalista entre 2000 e 2005. Levou o telefone, os materiais e as ferramentas para o parque e fixou-o a um cedro antigo numa zona sossegada, à saída de um trilho.

Revela que não pediu autorização para o fazer. Hoje, quase três anos depois, explica que optou por colocar o telefone sorrateiramente no parque porque acredita que é melhor pedir desculpa do que permissão, principalmente porque seria algo difícil de explicar.

Depois de as pessoas saberem do telefone e começarem a usá-lo em massa, a autarquia decidiu torná-lo uma instalação oficial. Removeu-o da árvore e colaborou com o ex-veterano para criar uma placa de sinalização e outra em memória de Joelle.

"Este telefone é para todos os que perderam alguém querido. É um meio de comunicação para aqueles que têm mensagens que querem partilhar com amigos e familiares. É um telefone para recordações e para dizer as despedidas que nunca chegámos a dizer", lê-se.

"Preciso de um refúgio"

Recentemente, a família de Joelle usou o telefone para celebrar a vida da menina. Erin Sylvester, a mãe, conta que, por vezes, também fazem festas de pizza e convidam amigos para se juntarem a eles.​

"Preciso do telefone. Preciso de um refúgio. Como é dedicado à minha filha, sinto que é diferente quando outra pessoa o está a usar ", afirma a mulher de 34 anos, com os olhos a transbordar de lágrimas. "Não ser capaz de ouvir a voz dela do outro lado do telefone é muito doloroso, por isso, costumo vir quando nenhum dos meus outros mecanismos de sobrevivência está a funcionar e estou à procura de um último recurso", acrescenta.

Os irmãos de Joelle, Jayden, de 12 anos, Jonah, de 8, e Joy, de 5, falam à vez. Dizem o quanto amam a irmã e sentem a falta dela. Também colocam novas fotografias na cabine e recordações que a menina adorava em cima do telefone.

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Andre e Erin Sylvester usam o telefone para falar com a filha Joelle Matt Mills McKnight/REUTERS
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O telefone está colocado junto a um cedro num parque em Olympia Matt Mills McKnight/REUTERS

Durante a visita, uma coruja castanha e branca pousou num dos ramos do cedro, mesmo por cima do telefone, e deixou a família hipnotizada. Erin conta que as corujas eram o "tema do quarto do bebé" quando Joelle nasceu, e que um destes animais já os tinha visitado recentemente noutro local.

"Tem de ser um sinal. Não há outra maneira de pensar nisso... Não é um acaso", defende o pai Andre Sylvester, 37 anos, enquanto limpa as lágrimas dos olhos.

Momentos depois, pega no telefone para falar com a filha. "Tenho saudades tuas. Obrigado por teres aparecido hoje. Tenho muitas saudades tuas", diz, olhando para o ramo onde a coruja pousou pouco tempo antes. "Gostava que pudéssemos ir dar uma volta ao quarteirão enquanto eu fumo o meu charuto e tu dizes olá a toda a gente e fazes festas a todos os cães. Sinto falta disso."

O telefone de Olympia e a divulgação da iniciativa inspirou mais americanos a criarem outros telefones por todo o país. Corey trocou e-mails e chamadas com muitos outros que instalaram um semelhante em homenagem aos seus entes queridos e estima que, neste momento, existam 50 nos Estados Unidos.

Todas as pessoas com quem falou sobre criar um telefone também lhe contam uma história trágica. "O facto de uma coisa tão simples como esta os ter ajudado imenso tem sido muito gratificante", destaca, acrescentando que sente que é a melhor coisa que alguma vez fez.

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