Um gap year é um ano em que não se perde (quase) nada — palavra de quem foi

Nós perguntámos e tu respondeste. Aprender a lidar com imprevistos e poder conhecer o mundo são alguns dos benefícios apontados por quem fez um gap year. Damos-te a conhecer algumas histórias.

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Afonso Melara partilhou a sua viagem nas redes sociais Afonso Melara
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Em 1959, quando António se aventurou pela Europa logo depois de acabar o secundário, fazer um gap year era inédito e exótico, como o próprio descreve. Quase seis décadas mais tarde, com o conceito mais popularizado, o que levou Afonso a apanhar um voo para Bali foi um acidente que o fez perder a carta de condução e o deixou sem poder trabalhar.

E porque o gap year não é só para quem tem 20 anos, Margarida decidiu, na data em que completou os 40, que iria viver um ano em Amesterdão. Nós perguntámos e tu respondeste: estas são as histórias de quem partilhou connosco o seu ano sabático.

E o que é um gap year? “Uma pausa no percurso de vida tradicional; uma quebra na rotina, na qual sais da tua zona de conforto e te desafias”, explica a Gap Year Portugal, uma associação que se dedica a ajudar quem procura esta experiência. Durante este período, que dura geralmente um ano, podes fazer inúmeras coisas. Viajar é, provavelmente, a mais comum, mas também podes dedicar-te ao voluntariado, estagiar ou desenvolver novas capacidades.

A aventura do "pai dos gappers" começou em 1959 António Valadas
António Valadas publicou um livro sobre as suas viagens António Valadas
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A aventura do "pai dos gappers" começou em 1959 António Valadas

António Valadas, 82 anos, Europa

Hoje com 82 anos, António Valadas viveu a vida entre viagens. Quando terminou o ensino secundário, em 1959, fez-se à estrada para pedir boleia e conhecer a Europa, durante dois meses e meio. Os tempos eram outros e o conceito de ano sabático ainda não era conhecido, mas quis “descobrir se seria capaz de estar longe de casa em condições que hoje seriam impensáveis”.

Tanto conseguiu que hoje é conhecido pela comunidade da Gap Year Portugal como o “avô dos gappers portugueses” e escreveu o livro Facing Challenges (editado em 2021), onde conta a sua história ao longo de 450 páginas. Olhando para trás, conta que ganhou um “enorme à vontade em todas as circunstâncias” e também “capacidade de adaptação a qualquer situação inesperada”.

Sem telemóveis nem internet, António viajou com um amigo de Portugal para Madrid de comboio e aí começou a pedir boleia. De Cuenca conseguiu viajar até ao sul de França, Alemanha, Suíça, Dinamarca, Suécia e Noruega, percorrendo cada país de uma ponta à outra graças à boa vontade de condutores de ligeiros e motoristas de pesados. Esta foi "uma das experiências mais marcantes da minha vida", resume aquele que foi um dos primeiros gappers portugueses.

Margarida Fonseca, 52 anos, Amesterdão

O momento em que soprou as velas dos 40 anos foi o ponto de viragem para Margarida Fonseca. Decidiu pedir uma licença sem vencimento para fazer um mestrado e viver em Amesterdão durante um ano, com dez mil euros no bolso. O dinheiro foi um detalhe importante, já que “tinha de saber geri-lo da melhor forma para conseguir pagar alojamento e todas as despesas”, diz ao P3.

Entre os desafios desta viagem, Margarida Fonseca aponta as diferenças face a estudar em Portugal e “as poucas horas de luz no Inverno” holandês. Já quanto à bagagem que trouxe, o destaque vai para a consciência de que “os altos e baixos fazem parte da vida”. Na mesma linha, avisa quem está a pensar fazer o mesmo que “um gap year não é só deslumbres”.

João Caldeira Vale, 46 anos, volta ao mundo

Para João Caldeira Vale foi a “a vontade de viajar com menos pressa” que o fez pedir uma licença sabática para dar uma volta ao mundo durante oito meses na companhia da namorada (hoje esposa). Durante este período, com 30 anos, conheceu “15 países da América do Sul, Ásia e Pacífico, começando no Brasil e terminando na Índia, incluindo Ilha da Páscoa e Tahiti”, descreve.

Foi no blog Parar para viajar que partilhou o seu dia-a-dia enquanto viajante, até porque “é fácil uma pessoa esquecer-se dos detalhes da viagem que mais tarde tem pena não recordar”. A experiência trouxe-lhe conhecimentos práticos de viagem, destreza para improvisar perante imprevistos e capacidade de viver com pouco “no sentido de ser possível ter tudo o necessário numa mochila”, esclarece. “Não vou romantizar a experiência ao ponto de dizer que me transformou por dentro, valeu a pena por ter sido vivida, pronto”, escreveu.

O Inverno holandês foi um desafio para Margarida. Margarida Fonseca
Margarida chegou a desistir do mestrado em Amesterdão, mas voltou a tentar. Margarida Fonseca
Depois do gap year. Margarida incentiva outros a fazerem a mesma experiência. Margarida Fonseca
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O Inverno holandês foi um desafio para Margarida. Margarida Fonseca

“Como vivi a experiência em 2006, antes das redes sociais, vou antes dizer o que os de hoje gostariam que lhes fosse dito: vale a pena documentar bem os sítios por onde se passou e escrever sobre a experiência. Mas a minha experiência foi muito 'imersiva', desconectada de Portugal e da família e amigos com quem falava só de vez em quando. Imagino que hoje o risco de estar sempre conectado é passar demasiado tempo ao telemóvel ou a ler os comentários/mensagens que nos enviam, e isso deve retirar algo à experiência. O meu conselho é de algum modo desconectar da 'base', limitar os contactos aos essenciais para poder viver mais intensamente a experiência”, sugere.

Quando voltou, João regressou ao trabalho que deixou, casou-se e teve filhos, com quem quer repetir um gap year.

Há conselhos com que todos parecem concordar: ir sem medos foi uma das frases mais repetidas. Há ainda os que recomendam deixar os telemóveis de lado para viver a experiência de forma mais consciente e presente, pesquisar o mais possível para ajustar expectativas e tentar preparar imprevistos e aprender a estar sozinho.

Afonso Melara, 27 anos, sudeste asiático

A vontade de surfar as “ondas perfeitas que via nas revistas” levou Afonso Melara, 27 anos, até ao sudeste asiático. O sonho era viajar até Bali depois da licenciatura, mas a pandemia obrigou-o a esperar por dias melhores. O incentivo foi, na verdade, um acidente: “Depois de uma noite de copos fiquei sem carta de condução durante cinco meses e meio”, conta ao P3.

Surfar em Bali era o objectivo de Afonso Afonso Melara
Afonso esteve em Bali e Timor-Leste Afonso Melara
A ligação ao mar vem da paixão pelo surf Afonso Melara
Surf e mergulho fizeram parte da experiência de Afonso Afonso Melara
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Surfar em Bali era o objectivo de Afonso Afonso Melara

Sem conseguir trabalhar, já que precisava de conduzir os clientes da empresa que criou, a Marvão Adventure, encontrou a desculpa perfeita para deixar a vida em pausa e seguir viagem. Chegado a Bali, a “massificação turística” fez com que optasse por partir, à boleia, para Timor-Leste. Por lá, juntou-se à missão do Centro Social de Nossa Senhora de Fátima de Padiae, em Oe-Cusse, para “fazer um documentário sobre a sua missão”: combater a pobreza e ajudar jovens a chegar à universidade.

Quatro meses e meio sozinho e longe de casa fizeram com que se sentisse “mais forte, plenamente confiante” de si mesmo. A viagem foi toda documentada no seu Instagram, @afonsomelara e no canal de YouTube.

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