Família de Urbano Tavares Rodrigues assinala centenário com uma exposição

Objectos pessoais do escritor, recolhidos pelas netas Inês Fraga e Sofia Fraga, podem ser vistos até dia 3 de Junho na Galeria Municipal da Lourinhã: 100 Anos de Um Insubmisso.

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O material exposto foi reunido pela filha de Urbano Tavares Rodrigues, Isabel Fraga, e pelas netas Inês Fraga e Sofia Fraga ©Rafael Malvar/Município da Lourinhã
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Fotos do escritor em diferentes fases da vida ©Rafael Malvar/Município da Lourinhã
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As duas netas, Sofia Fraga (à esquerda) e Inês Fraga, na Biblioteca Municipal da Lourinhã, após a sessão de debate com Aldina Duarte, Maria do Rosário Pedreira e João Morales ©Rafael Malvar/Município da Lourinhã
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A exposição pode ser visitada na Galeria Municipal da Lourinhã até 3 de Junho, das 10h30 às 16h30 ©Rafael Malvar/Município da Lourinhã
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A maior parte do espólio de Urbano Tavares Rodrigues (1923-2023) encontra-se na Biblioteca Nacional de Lisboa, mas a família foi desafiada pelo programador do Livros a Oeste, João Morales, a reunir objectos e documentos significativos e a expô-los na Galeria Municipal da Lourinhã. A inauguração fez-se no primeiro dia do encontro, a 9 de Maio, com a participação da neta Inês Fraga.

O PÚBLICO foi guiado dias depois pela exposição por outra neta, Sofia Fraga: “Reunimos o que tínhamos em casa. Entre a minha mãe, a minha irmã e eu, escolhemos o que nos pareceu mais relevante.” Desde logo, “o quadro pintado por Eduardo Malta e a respectiva gravata” que usava enquanto modelo. “Foi a minha avó Maria Judite [de Carvalho] que a guardou. Eu fiquei com este quadro, a Inês ficou com outros”, conta, entre o entusiasmada e o comovida com a exposição.

Há por ali um conjunto de livros autografados e com dedicatórias do avô dirigidas às netas: “Para nós, são relíquias, nem sempre são primeiras edições.” Também reuniram obras que foram oferecidas a Urbano Tavares Rodrigues por outros escritores, de que se podem ler as dedicatórias. Jorge Amado, Vergílio Ferreira, Mário Dionísio, Vitorino Nemésio são alguns deles.

A seguir, outro quadro, da autoria da própria Maria Judite de Carvalho: “A minha avó não pintava homens, só tinha quadros de mulheres, retratos femininos. O único homem que ela pintou foi o meu avô. Foi o grande amor da vida da minha avó.” Uma pintura que aparece mais adiante numa fotografia em que se vê o escritor e professor “já mais crescido e com a sua gata”, tendo em fundo o seu retrato enquanto jovem.

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A neta Sofia Fraga guiou o PÚBLICO pela exposição 100 Anos de Um Insubmisso ©Rafael Malvar/Município da Lourinhã

Várias fotografias preenchem as paredes da galeria, com alunos, personalidades da vida cultural e política portuguesa. “O meu tio Miguel não está contemplado aqui, mas devia estar. Foi uma falha minha, eram unha com carne.”

Também se podem ver três desenhos de Francisco Simões, oferecidos à família quando Urbano Tavares Rodrigues morreu: “Ele era muito amigo do meu avô e do David [Mourão Ferreira].” Fez várias capas de livros para ambos.

Alguns manuscritos, documentos oficiais e cartas completam a mostra de “um avô hiperbólico, que não tinha grande capacidade de discernir entre os afectos e o mérito”, por conseguinte, as netas eram “sempre fantásticas e geniais”, conta Sofia Fraga, que trabalha em edição e escreve livros para crianças. “Foi um privilégio ter convivido com estas pessoas, o meu avô e a minha avó, e com todas as outras que os rodeavam”, diz.

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Desenhos de Francisco Simões cedidos à família quando da morte do escritor, no dia 9 de Agosto de 2013 ©Rafael Malvar/Município da Lourinhã

Um crítico literário disse mal da minha avó e ele foi dar-lhe uma sova

Recorda episódios que revelam a natureza do escritor e ensaísta, catedrático jubilado da Faculdade de Letras de Lisboa: “Era um homem generoso. Generoso com os autores. Fazia prefácios a toda a gente, chateava todos os editores a dizer: ‘Li uma coisa fantástica de não sei quem, vê lá se publicas.’ Ia no táxi e arranjava emprego para o motorista, que era um tipo bestial, que era inteligente e não era possível continuar naquele trabalho”, conta.

No entanto, tinha um lado mais rebelde. Sofia recorda, divertida: “Um crítico literário disse mal da minha avó e ele foi dar-lhe uma sova. Foi defender a honra da Maria Judite.” Também o editor Nelson Matos contou à neta de Urbano que teve de fugir dele: “Queria bater-lhe porque tinha escrito uma crítica negativa a um livro dele. Apanhou-o perto do Diário de Lisboa e andou a correr atrás dele. Toda a gente à janela e o Nelson a dizer: ‘Ó Urbano, não é assim que as coisas se resolvem’.”

Urbano Tavares Rodrigues nasceu em Lisboa, mas cresceu no Alentejo, perto de Moura, na Quinta da Esperança. “Atento desde muito cedo à miséria dos camponeses, fez da luta deles a sua. (…) Um homem que sempre lutou pela igualdade num mundo carregado de desigualdade, um homem da cultura que deixou um legado ímpar não só na literatura, mas entre os seus alunos e jovens escritores que ele tanto apoiou”, pode ler-se no folheto de apresentação de 100 Anos de Um Insubmisso, que glosa uma das suas obras: Os Insubmissos.

Alguns outros títulos que escreveu e que fizeram com que merecesse o Prémio de Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores: A Noite Roxa, Bastardos do Sol, Imitação da Felicidade, Fuga Imóvel, Violeta e a Noite, O Supremo Interdito, Nunca Diremos Quem Sois, A Estação Dourada.

Sofia Fraga conclui, frente a um bonito painel com o rosto do avô em selos dos CTT: “Era um homem que tinha garra, que se batia pelos seus ideais. Batia-se e batia…” E a visita terminou com uma gargalhada.

A exposição pode ser vista até ao próximo sábado, das 10h30 às 16h30.

O PÚBLICO esteve na Lourinhã a convite do festival

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