Entre o pânico e o esquecimento: como estamos a preparar a próxima pandemia

Interromper o ciclo de pânico e esquecimento na resposta a ameaças de saúde pública é fundamental para estarmos mais bem preparados para futuros desafios. Isso implica uma mudança na nossa cultura.

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Os anos de pandemia foram extremamente duros a diversos níveis. Assistimos a uma regressão sem precedentes da esperança média de vida, com impactos negativos na economia, educação, sistema de saúde.

Embora estejamos ansiosos por esquecer os anos da pandemia, a natureza continua indiferente aos nossos sentimentos, e o risco de outra pandemia mantém-se uma realidade tangível. A incerteza reside apenas no quando, na dimensão do seu impacto e no nível da nossa preparação.

Interromper o ciclo de pânico e esquecimento na resposta a ameaças de saúde pública é fundamental para estarmos mais bem preparados para futuros desafios. Isso implica uma mudança na nossa cultura, que frequentemente exalta o improviso, e a necessidade de investir em infraestruturas, processos e recursos humanos a longo prazo. Tais investimentos, embora possam parecer excessivos em circunstâncias normais, tornam-se fundamentais em situações de crise.

Vou especificar algumas medidas que podem melhorar a nossa preparação. A nossa infraestrutura de monitorização de ameaças de saúde pública precisa ser atualizada. Após a digitalização da última década, o próximo passo é desenvolver a capacidade de interligar os sistemas de informação de forma automática e implementar a vigilância por algoritmos e inteligência artificial.

Nos processos é talvez onde mais temos de contrariar a nossa cultura de improviso. Na pandemia, o "Conselho Nacional de Saúde Pública", previsto por lei como órgão consultivo do Governo para a prevenção e controlo de doenças transmissíveis e outros riscos para a saúde pública, foi pouco eficaz, sendo substituído por fóruns institucionais e outros informais. A proposta da Lei de Proteção em Emergência de Saúde Pública deverá consolidar e providenciar recursos técnicos e financeiros a um grupo consultivo independente e multidisciplinar que se reúna regularmente e promova a articulação com a comunidade científica.

Em toda a Europa, há um movimento para reforçar as instituições de saúde pública. A União Europeia ampliou o mandato do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, criou a Autoridade de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias (HERA). A Espanha, com fundos do PRR, criou a "Agencia Estatal de Salud Pública", com a missão de coordenar a preparação, prevenção, deteção e resposta a ameaças à saúde da população.

Infelizmente, em Portugal, o PRR não tem investimentos específicos planeados nesta área. Foi formado um grupo de trabalho no Ministério da Saúde para elaborar uma proposta de Lei da Saúde Pública, esperando-se que aponte caminhos para a reconfiguração dos serviços de saúde pública, reforço das instituições e incremento de financiamento.

Não temos certezas sobre a natureza da próxima epidemia ou pandemia – pode ser dengue, ébola, gripe – mas se coletivamente decidirmos negligenciar a saúde pública, estaremos ainda mais desprotegidos perante o próximo desafio.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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