Kiliçdaroglu aposta em retórica anti-imigração para conquistar votos na segunda volta

Adversário de Erdogan acusa Governo de permitir a entrada de dez milhões de migrantes “irregulares” e o seu partido apresenta queixa por alegadas irregularidades em milhares de urnas.

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Cartaz eleitoral de Kemal Kiliçdaroglu em Ancara SEDAT SUNA/EPA

O adversário de Recep Tayyip Erdogan na corrida presidencial da Turquia acusou nesta quarta-feira o Governo de permitir que dez milhões de migrantes "irregulares" entrassem no país, marcando uma viragem nacionalista na sua retórica antes da segunda volta das eleições, marcada para 28 de Maio.

Kemal Kiliçdaroglu, candidato de uma aliança de seis partidos da oposição, ficou atrás de Erdogan na primeira volta da eleição presidencial realizada no domingo, confundindo as expectativas criadas pelas sondagens de que seria o mais votado.

As últimas declarações de Kiliçdaroglu surgem depois de o seu partido, o CHP, ter apresentado queixas sobre suspeitas de irregularidades em milhares de urnas, embora representantes do CHP tenham admitido que é improvável que as objecções alterem o resultado geral da votação presidencial.

O Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), de Erdogan, e os seus aliados nacionalistas conquistaram uma confortável maioria parlamentar nas eleições de domingo, enquanto o Presidente e candidato à reeleição ficou um pouco abaixo do limite de 50% necessário para vencer logo na primeira volta a eleição presidencial.

Kiliçdaroglu, presidente do Partido Republicano do Povo (CHP), obteve 44,9% dos votos, no que foi visto como o maior desafio eleitoral aos 20 anos de governo de Erdogan.

Um terceiro candidato, o nacionalista Sinan Ogan, obteve 5,17% e tanto Erdogan quanto Kiliçdaroglu devem procurar o seu apoio nas negociações desta semana.

“Não abandonaremos a nossa pátria a essa mentalidade que permitiu que dez milhões de migrantes irregulares viessem para o nosso país”, disse Kiliçdaroglu num vídeo publicado no Twitter, alertando que o número de migrantes pode chegar a 30 milhões.

“Aqueles que amam a sua pátria venham às urnas”, exortou Kiliçdaroglu aos eleitores turcos.

O candidato não forneceu qualquer prova que consubstanciasse a sua alegação sobre o número de migrantes. A Turquia abriga a maior população de refugiados do mundo, cerca de quatro milhões, segundo dados oficiais.

As autoridades turcas interceptaram este ano quase 50.600 migrantes irregulares até 11 de Maio, depois de terem detido cerca de 285.000 em 2022, segundo dados do Ministério do Interior.

O vídeo de sabor nacionalista de Kiliçdaroglu sugere que a sua campanha está a afastar-se da posição mais moderada da primeira volta. Também pode ser visto como uma tentativa de atrair os apoiantes de Ogan, que fez campanha pelo envio de migrantes para os seus países de origem, incluindo cerca de 3,6 milhões de sírios deslocados pela guerra.

Erdogan diz que só ele pode garantir a estabilidade na Turquia, um país-membro da NATO, que enfrenta uma crise económica, inflação crescente e o impacto dos devastadores terramotos de Fevereiro.

Segundo alguns analistas, a insistência de Erdogan de que a oposição é apoiada por militantes curdos - usando vídeos fabricados e sem qualquer prova –​ ressoou na sua base eleitoral, superando as preocupações com o estado da economia.

O Presidente turco aludia ao Partido da Esquerda Verde (YSP), pró-curdo, ​que apoia Kiliçdaroglu, mas não faz parte da aliança de seis partidos da oposição.

O YSP, que é o terceiro maior partido no novo Parlamento depois do AKP de Erdogan e do CHP de Kiliçdaroglu, negou quaisquer laços com os militantes curdos.

Mehmet Ali Kulat, presidente da empresa de sondagens MAK, disse que, para muitos eleitores, a oposição não parecia suficientemente dura com o terrorismo.

“O Governo fez os eleitores responderem a esta pergunta: 'OK, perderam parte da vossa riqueza e dos vossos recursos, mas querem também perder o vosso Estado?'”, disse Kulat.

No vídeo desta quarta-feira, Kiliçdaroglu acusou também Erdogan de cooperar com a organização que Ancara acusa de orquestrar uma tentativa de golpe em 2016. A rede liderada pelo imã Fethullah Gülen, actualmente no exílio, é classificada na Turquia como uma organização terrorista.

O especialista em sondagens da Metropoll, Ozer Sencar, referiu que a aliança de oposição criou uma imagem fracturada devido às disputas internas. “Prejudicaram a sua reputação”, afirmou.

Já Kulat, do MAK, disse que os eleitores nas 11 províncias atingidas pelos terramotos também apoiaram na sua maioria Erdogan porque acreditavam que ele estava em melhor posição para reconstruir as cidades devastadas.

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