Madeira a lápis azul

O poder na Madeira pode fazer quase tudo, sem temer contestação ou questionamento. Porque num clima de medo, o escrutínio é deixado para último lugar.

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A Madeira está a saque. O Governo Regional de Miguel Albuquerque, do PSD e CDS-PP, tem silenciado as críticas, favorecido interesses económicos na Região e gasto milhões em indemnizações indevidas. Mas não se fica por aqui. Em plena comissão parlamentar de inquérito, o PSD, através do deputado Brício Araújo, sugeriu que as atas elaboradas pelo secretário da comissão sejam substituídas por aquelas que os deputados do PSD escreveram. É esta a realidade e a gravidade do que se passa na Madeira. E deveria interessar a todos os portugueses, independentemente da geografia.

A semana passada, a comissão parlamentar de inquérito às obras inventadas terminou com um relatório omisso. Um relatório ao serviço do Governo Regional, no qual os deputados do PSD e do CDS deturpam os factos analisados, procurando esconder a verdade aos madeirenses e porto-santenses.

Em causa nesta comissão de inquérito estiveram graves denúncias que podem constituir crime. No início deste ano, o social-democrata Sérgio Marques, que fez parte do governo de Miguel Albuquerque, afirmava em entrevista que existiam várias obras inventadas na região e que o favorecimento a grupos económicos da Madeira se fazia sentir nas decisões da governação. Acrescentou também que o seu afastamento do cargo que ocupava se deu, precisamente, pela pressão de interesses económicos. Uma grave denúncia que surge do seio do próprio PSD, sobre o que é a prática – tão pouco transparente e possivelmente criminosa – do Governo Regional.

Ao todo, falamos de 55 milhões de euros que foram roubados aos madeirenses e porto-santenses nas negociatas do Governo Regional. 55 milhões gastos em indemnizações a construtoras por obras inventadas e em acordos extrajudiciais por trabalhos que nunca aconteceram. E são muitas as concessões públicas renovadas sem o respetivo concurso público, com recurso a ajustes diretos ou meras prorrogações, o que, só por si, é indício de favorecimento.

O próprio presidente Miguel Albuquerque está já a ser investigado pela justiça por corrupção, participação económica em negócios e prevaricação.

Até onde e até quando iremos deixar que a Madeira seja vítima da sua governação?

Os acontecimentos em torno desta comissão, desde a sua razão de existir, ao seu relatório e à sugestão de substituição integral das atas, não deixam margem para dúvidas. O poder na Madeira pode fazer quase tudo, sem temer contestação ou questionamento. Porque num clima de medo, o escrutínio é deixado para último lugar.

Neste regime podre de 47 anos, alguns madeirenses e porto-santenses receiam retaliações, porque elas não tardam a chegar. Chegam sob a forma de intimidação, afastamento de cargos e perdas de emprego. Numa região onde a taxa de risco de pobreza é a maior do país, ninguém se dá ao luxo de arriscar não ter forma de meter comida na mesa.

Não tenhamos dúvidas: Madeira ainda se escreve a lápis azul.

Não aceitamos que, passados quase 50 anos do 25 de Abril, a democracia não tenha saído verdadeiramente à rua na nossa região. Por isso, vamos avançar com queixa ao Ministério Público, para que a Justiça apure os factos e atue. Exigimos transparência e prestação de contas ao governo de Miguel Albuquerque. É tempo de mudar a Madeira.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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