E agora, Europa?

A atual guerra na Ucrânia pode assinalar, não só o fim da era do soft power ocidental, como o ocaso europeu, numa Europa entalada entre os USA e a desafiante China.

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Quando, a 9 de maio, se assinala mais um Dia da Europa, ultrapassada a pandemia, eis que a guerra se instalou no coração do velho continente. Uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia, fora do espaço da União Europeia, mas no seio dos países membros do Conselho da Europa, base de intervenção do Movimento Europeu Internacional.

Novos caminhos geopolíticos, logísticos e energéticos se apresentam hoje aos europeus. Ao mesmo tempo, continuam os desafios decorrentes das migrações, a que acrescem a subida dos preços e das taxas de juros.

Não serão desafios fáceis e os respetivos impactos no indivíduo, na sociedade e nas diversas comunidades não serão também despiciendos. Entretanto, a Europa reafirma que quer continuar a liderar todas as transições: a energética, a climática e a digital.

Mas os europeus continuam a viver momentos de grande ansiedade sobre o seu futuro. Os seus valores, identidades, territórios e fronteiras voltam a estar em questão. Recorde-se que o Dia da Europa celebra também o fim da Segunda Guerra Mundial, quando, tristemente, estamos em risco de nos abeirarmos vertiginosamente de uma terceira.

Assistimos cada vez mais ao ressurgimento de um mundo dividido, onde a globalização cede passo à geopolítica, ao regresso dos impérios. Um mundo atravessado por essa nova grande fratura e uma nova convergência entre os poderes autoritários.

E nesse mundo, infelizmente, parece cada vez menos existir lugar para a Europa e a sua excecionalidade. Ou seja, a atual guerra na Ucrânia pode assinalar, não só o fim da era do soft power ocidental, como o ocaso europeu, numa Europa entalada entre os USA e a desafiante China.

Será cedo, e porventura precipitado, adivinhar esse futuro, pois este teima em estar sempre em aberto. Porém, todos os sinais parecem apontar para o fim desse mundo de ontem e para o surgimento de novo paradigma, que substituirá aquele que construímos no pós-Segunda Guerra, encabeçado pelo projeto antecedente da atual União Europeia: a substituição da violência pelo diálogo na resolução dos conflitos, o primado dos direitos humanos, plasmado nas diversas cartas e um próspero estado social.

Com o realismo que as circunstâncias impõem, devemos reconhecer que vivemos tempos sombrios, tempos de inquietude, descrença e enorme volatilidade. Tempos que alguns dirão serem o normal na história dos povos e civilizações. Só que a atual inquietude, a descrença, associada à falta de racionalidade crítica, que começou em terras britânicas no famigerado "Brexit", está a alastrar pelas planícies europeias, exigindo o encerramento das fronteiras e o regresso ao nacionalismo, esse grande inimigo da paz entre as nações.

Se ao atual risco geopolítico acrescentarmos a emergência de uma economia em recessão, estaremos mesmo perante o tão apregoado declínio europeu. E para o evitar, a Europa tem de escolher de qual dos lados do novo mundo divido se quer encontrar: se do lado da ordem liberal ou do lado da ordem autoritária. Confiamos que a Europa conseguirá manter o rumo do lado da ordem liberal: a defesa da democracia pluralista, da liberdade e da dignidade humana.

Presidente do Movimento Europeu em Portugal

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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