Acusações contra o cineasta Til Schweiger inauguram MeToo alemão

O actor e cineasta é acusado por 50 membros da equipa que trabalhou no seu último filme de ir alcoolizado para as rodagens e de ter um comportamento violento e intimidatório.

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Til Schweiger alcançou reconhecimento internacional com a sua interpretação do sargento Hugo Stiglitz no filme "Sacanas Sem Lei", de Quentin Tarantino Stefan Brending/wikicommons images
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O realizador Til Schweiger, que é também, aos 59 anos, um dos mais reconhecidos e premiados actores alemães, foi acusado de promover um clima de intimidação e medo na rodagem dos seus filmes, e em particular durante a produção do recente Manta Manta – Zwoter Teil (segunda parte), lançado já este ano.

Uma investigação da revista alemã Der Spiegel, citada pelo jornal inglês The Guardian, recolhe testemunhos de 50 pessoas que descrevem ataques de fúria e agressões verbais de Schweiger, assegurando que é frequente o cineasta aparecer nas rodagens fortemente alcoolizado, e acusando-o ainda de pressionar os actores e outros membros da equipa a ponto de já ter provocado acidentes de trabalho.

E há relato de pelo menos um episódio de violência física. Membros da equipa de Manta Manta – Zwoter Teil dizem ter ficado chocados quando viram o realizador dar uma estalada numa pessoa que se limitara a observar-lhe que não estava em condições de trabalhar, tentando demovê-lo de entrar completamente alcoolizado no set.

O caso está a ser tratado na imprensa como o momento em que o MeToo chegou à Alemanha, e a ministra da Cultura, Claudia Roth, do partido Os Verdes, exigiu uma “investigação exaustiva” e ameaçou cortar os subsídios estatais a produções cinematográficas que não garantam a segurança dos trabalhadores.

Segundo algumas das fontes ouvidas pela Spiegel, quase todas anónimas, o comportamento agora denunciado dura há uma década, tendo-se agravado à medida que o actor e realizador foi consolidando o seu poder. Mas desde que a reportagem foi publicada, surgiram vários novos testemunhos a sublinhar que não é apenas nos filmes de Schweiger que se verifica esta atmosfera intimidatória, mas que se trata de um fenómeno generalizado na indústria alemã do cinema.

O comportamento de Til Schweiger, que alcançou reconhecimento internacional com a sua interpretação do sargento Hugo Stiglitz no filme Sacanas Sem Lei, de Quentin Tarantino, em 2009, era “um segredo conhecido há anos”, diz a actriz Nora Tschirner. E Caroline Peters, uma conhecida actriz alemã de cinema e televisão, congratula-se por “finalmente se estar a discutir isto em público”, já que “as pessoas, a partir de agora, já não terão de lidar com isto sozinhas”.

“Na idade da pedra”

O poder de Schweiger também reside na sua capacidade de angariar dinheiro e proporcionar empregos. Só para a produção de Manta Manta – Zwoter Teil, a produtora com que trabalhou, a Constantin Film, recebeu do Estado alemão 2,1 milhões de euros. O filme, que tem feito grande sucesso de bilheteira, recupera um êxito de 1991, a comédia Manta Manta, que marcou a estreia de Schweiger como actor.

Uma advogada que representa o realizador disse que este desmentia as alegações contra ele e acusou a Spiegel de repetir rumores que circulam há anos e de os apresentar como factos. Também a produtora Constantin Film defendeu que as acusações contra o cineasta eram “distorcidas e, em alguns casos, simplesmente falsas”.

Casado com a modelo americana Dana Carlsen, com quem tem quatro filhos, Til Schweiger, que vive na cidade espanhola de Maiorca, tem participado em vários filmes nos Estados Unidos, como Guerra é Guerra (2012), com Reese Witherspoon e Chris Pine, ou Uma Morte Necessária (2013), com Shia LaBoeuf e Mads Mikkelsen. E integra o elenco de The Ministry of Ungentlemanly Warfare, um filme de espionagem de Guy Ritchie que deverá estrear-se em 2024.

Ao trazer a público um ambiente tóxico longamente silenciado na indústria do cinema, este caso pode assemelhar-se ao início do movimento MeToo nos Estados Unidos, mas os testemunhos conhecidos até agora não sugerem que Til Schweiger seja, como Harvey Weinstein, um predador sexual. No entanto, um dos relatos recolhidos pela Spiegel acusa o realizador de ter forçado uma jovem figurante de Manta Manta – Zwoter Teil a tirar o seu sutiã à frente de toda a equipa, para uma cena de que não tinha sido previamente avisada.

As situações descritas são suficientemente graves para a ministra da Cultura ter avisado, ainda que sem nomear Schweiger, que “os génios ou supostos génios artísticos não estão acima da lei” e que “os tempos em que uns tipos patriarcais abusavam das suas posições de poder da pior forma deveriam realmente ter acabado, mesmo sendo óbvio que nem todos o perceberam”.

Também a comissária do Governo alemão para o combate à discriminação, Ferda Ataman, afirmou que a indústria cultural “ainda está na idade da pedra” e defendeu que o cerne do problema está na fragilidade dos direitos laborais, sobretudo dos trabalhadores precários. “Só os que estão no quadro podem defender-se e, se necessário, processar os seus empregadores.”

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