Mercado voluntário de carbono: onde está o impacto climático positivo?

Quem procure informação sobre mercados de carbono encontrará mais facilmente uma visão global do seu valor financeiro do que do climático. E pesará sempre mais o mercado regulado face ao voluntário.

Muitos governos comprometem-se há décadas com decisões para reduzir a emissão dos gases com efeito de estufa (GEE), contribuindo para travar a marcha para o abismo climático e, entre outros co-benefícios, reduzindo a dependência dos combustíveis fósseis. Entre os instrumentos que contribuem para esses objetivos estão os mercados de carbono.

Considera-se que os mercados de carbono são uma via para internalizar o custo das emissões de GEE na economia, especialmente do dióxido de carbono (CO2). Sendo o preço do carbono aplicado às licenças e créditos um incentivo financeiro à redução de emissões, sobretudo por parte das empresas. Este incentivo atrai uma nova e poderosa finança climática, disponível para fechar o gap de investimento entre os triliões de euros necessários para cumprir as metas climáticas globais e o dinheiro público disponível.

A grande crítica a este instrumento é que legitima os direitos a poluir, e que se agrava na ausência de limites de emissões exigentes e regras claras. Os mercados de carbono cresceram, suplantaram as taxas de carbono, mas onde está o seu impacto climático positivo, em termos de redução de emissões?

O Banco Mundial calcula no seu relatório de 2022 do Estado e Tendências do Preço do Carbono, referente a 2021, que as transações de créditos do mercado regulado, a nível mundial, atingiram os 56 mil milhões de dólares, enquanto as transações de crédito voluntário ultrapassaram os mil milhões de dólares. Em ambos os casos são valores recorde. Segundo a Bloomberg, o mercado voluntário aproximou-se mesmo dos dois mil milhões de dólares.

Quem procure informação sobre os mercados de carbono, encontrará mais facilmente uma visão global do seu valor financeiro do que climático, em termos de redução de emissões. E, insistindo na busca, será sempre mais para o mercado regulado do que voluntário. Para os mercados oficiais, um termo comum na informação disponível é o grau de cobertura, que indica a parte de emissões de CO2 de um país ou região abrangidos por taxas e ou mercados de carbono. A estimativa mundial, e no conjunto dos dois instrumentos, é de 21,5%, segundo o mesmo relatório do Banco Mundial. Mas isso não indica em quanto contribuiu para a redução de emissões.

As indústrias que integram o mercado europeu de licenças de emissões (ETS), com teto de emissões, emitiram em 2021 menos 35% de emissões de CO2 do que em 2005. Agora, seguindo a reforma do mercado europeu de carbono, aprovada pelo Parlamento Europeu, terão de emitir 63% menos em 2030, face a 2005, em vez da anterior meta de 43%. Calcula-se que até ao início de 2022, tenham sido alocadas a estas empresas licenças no valor de quase 100 mil milhões de dólares.

A pergunta sobre o mérito de impacto climático positivo é mais crítica em relação ao mercado voluntário, que começa a ser chamado a mostrar o que vale para a descarbonização, ainda que deva funcionar como um recurso para as emissões residuais.

Desde o início da década de 2020, a desconfiança em relação aos mercados voluntários de carbono cresce com investigações jornalísticas apoiadas em trabalho científico. Um relatório da Bloomberg de 2020 sobre créditos de conservação das florestas dos EUA revelou casos de áreas florestais que não estavam degradadas nem sequer em risco, e até já estavam protegidas em parte, tendo sido creditadas “sem sentido”. Outro denunciou créditos à venda de florestas na Sibéria que tinham ardido.

O ponto alto ocorreu no início de 2023, com a revelação de que 94% dos créditos de carbono da floresta tropical certificados por uma das maiores entidades do mercado não representam afinal reduções reais de emissões, ou seja, não serviram em termos climáticos, em alguns casos, nem sequer em co-benefícios para as populações, os ecossistemas ou a biodiversidade (The Guardian, Die Zeit e Source Material 18.01.23). Em outro caso, venderam-se créditos de conservação de uma grande floresta africana, sabendo o promotor que não tinha capacidade de gerar o montante prometido (Follow the Money 27.01.23).

Um inquérito a empresas que compraram créditos mostrou que a grande maioria não indicou as condições em que iria utilizá-los. As empresas encontram no mercado voluntário um meio de valorizar a sua imagem reputacional, sobretudo desde que passaram a prometer objetivos de neutralidade carbónica, mas sem consequências evidentes na sua pegada carbónica.

As expressões mais críticas sobre os mercados voluntários vão para lá do greenwashing, a lavagem verde, que dá a aparência ecológica à imagem de uma empresa, uma marca, um produto ou um serviço, não o sendo. Chamam-lhes também produtores de créditos-fantasma, fraudulentos ou hot air saídos de um “Oeste selvagem”.

Na linguagem mais técnica, são créditos sem integridade. Dois tipos de falha de integridade são: previsões inflacionadas de emissões reduzidas ou evitadas, desvalorizando o cenário de referência ou sobrestimando a capacidade da floresta, e uma fraca monitorização dos projetos de créditos.

Falta integridade climática quando não se verifica correspondência real entre a promessa de redução de emissões e a sua concretização. E há falta de integridade social, a qual relaciona os projetos com o respeito pelos direitos humanos, a começar pela inclusão das comunidades locais, quando um projeto as maltrata ou expulsa, em vez de as envolver, como em vários casos relatados. Os mercados voluntários de carbono, tal como os regulados, devem reduzir e sequestrar GEE, com benefícios para a biodiversidade, protegendo os ecossistemas e preservando as comunidades locais e a saúde da população.

Do outro lado do impacto público das investigações citadas está a perspetiva de aproximação do mercado voluntário ao regulado e de um alinhamento progressivo pelos compromissos nacionais, e assim ser útil à descarbonização das economias.

No Acordo de Paris, em 2015, os países comprometeram-se com metas obrigatórias de redução de emissões e contaram com o contributo de novas regras para o comércio de carbono. Seis anos mais tarde explicitaram a nova geração de mecanismos de mercado para descarbonizar as economias, através da compra e venda de créditos envolvendo países e empresas, ligando sistemas de comércio de emissões e aceitando transferências internacionais de créditos de projetos voluntários. Desde então, os países trabalham nisto, sem sinais de revolução aparentemente inevitável.

O trabalho feito até agora por iniciativas internacionais como as da VCMI – Iniciativa de Integridade dos Mercados Voluntários de Carbono e do ICVCM – Conselho de Integridade Internacional para os Mercados voluntários de carbono, que configuram bases de uma futura coordenação para os créditos voluntários, foi recebido entre pouco entusiasmo e crítica. A Organização Internacional das Comissões de Mercado dos Valores Mobiliários (IOSCO) estuda, entretanto, prioridades regulatórias para os relatórios de sustentabilidade, a mitigação do greenwashing e a promoção da integridade dos mercados de carbono.

As propostas de reforma do mercado, visando dar mais qualidade e transparência ao mercado reafirmam quatro critérios vigentes para o impacto das emissões (adicionalidade, permanência, quantificação robusta da redução de emissões e sequestro e não à dupla contagem). Se as preocupações de transparência estão longe de resolvidas, então o impacto em termos de emissões deve passar, ele próprio, a ser prioridade explícita e o grande critério de integridade.

Novos formatos de projetos com empresas, comunidades e regiões, e metodologias mais robustas coabitarão com tecnologia vocacionada para medir, tangibilizar e tornar mais auditáveis as emissões de CO2 – machine learning, inteligência artificial, satélites e blockchain.

Dois pilotos que a CCDR-Norte quer desenvolver, integrando a quantificação do sequestro de carbono em zonas de floresta e de cultivo e de projetos de neutralidade carbónica das cidades no seu território, propõem-se estudar o que pode mudar, ao nível da governação, da utilização de tecnologia, e sobretudo do seu contributo para uma redução efetiva de emissões.

Será a oportunidade para testar um quinto critério e que está implícito a todo o processo, a causalidade. Esta deve garantir, através de novos processos de monitorização e verificação, uma correspondência estrita entre a promessa de mitigação (causa) e o resultado final de um projeto (efeito), independentemente da sua escala. Se o ponto crítico é a transparência do impacto positivo, valerá a pena subir a fasquia do seu valor.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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