Duas cabeças de lobos deixadas nas escadas de uma câmara nas Astúrias

Há já algum tempo que se instalou um clima de tensão entre os que exigem a protecção do lobo-ibérico e grupos de criadores de gado que defendem que a população deve ser controlada.

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O lobo-ibérico continua a ser classificado como estando “em perigo” de extinção GettyImages

As duas cabeças de lobo foram deixadas de manhã cedo da passada sexta-feira, na porta da Câmara Municipal de Ponga (Astúrias). A “descoberta macabra”, como descreve o diário espanhol El País, aconteceu pouco tempo antes de a presidente da câmara Marta María Alonso chegar à autarquia num dia em que a agenda incluía uma reunião do Conselho de Governo com o presidente do principado, o socialista Adrián Barbón.

O sinistro “recado” deixado nas escadas da entrada da câmara é mais uma prova do clima de tensão que se vive desde que se proibiu a captura deste animal (Canis lupus signatus), que em 2021 passou a estar incluído na Lista de Espécies da Fauna Selvagem em Regime de Protecção Especial (LESRPE). O controlo das populações de lobos que vivem naquela área deixou de ser permitido e, com essa protecção, há mais animais na região. O problema é que os ataques ao gado também aumentaram.

Os protestos contra esta decisão de protecção existem desde há muitos anos, num difícil equilíbrio entre a protecção desta espécie e os interesses dos criadores de gado, que condenam os ataques dos lobos aos seus animais e as demoradas e insuficientes indemnizações pelos danos causados. Desta vez, o desagrado destes grupos foi mostrado de forma violenta, num acto que foi condenado pelos governantes e também por criadores de gado.

Em declarações ao El País, o biólogo e especialista em lobos Juan Carlos Blanco descreve a acção como uma forma de "chantagem, mafiosa, à moda d'O Padrinho". E o diário espanhol lembra que “não é a primeira vez que algo semelhante acontece no principado: em 2017, apareceram vários exemplares mortos que foram expostos em locais públicos (parques de estacionamento, sinais de trânsito...) e, em Agosto de 2018, foram encontradas uma cabeça e uma cauda de lobo a boiar na piscina municipal de Infiesto”.

Mercedes Cruzado, secretária-geral do COAG Astúrias – uma das principais organizações agrícolas do país – confirma na notícia o clima de tensão. "As pessoas estão muito zangadas, estamos a sofrer danos e sentimo-nos abandonados, mas as cabeças... não é o caminho, não estamos a pedir que as espécies desapareçam."

Há várias acções em curso que querem reactivar o controlo de populações de lobos na região. "Há meios legais e administrativos para lutar contra esta decisão, e estes comportamentos não reflectem o sentimento do conselho ou dos agricultores. Sou muito clara quanto a isso", afirmou a autarca de Ponga, que também é citada na mesma notícia, condenando também esta violenta forma de protesto.

Debate no Parlamento Europeu

A discussão sobre o estatuto de protecção que deve ser dado aos lobos está longe de se tratar de um assunto local, circunscrito às Astúrias. Em Novembro de 2022, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre carnívoros de grande porte que defendia que, como “alguns grandes predadores, nomeadamente lobos e ursos”, estarão a conseguir aumentar a sua área de distribuição “em muitas regiões da Europa” — e, consequentemente, a prejudicar agricultores e criadores de gado de forma mais significativa —, se justificava uma “redução do estatuto de protecção”.

Doze ministros do Ambiente europeus (incluindo o ministro do Ambiente e da Acção Climática de Portugal, Duarte Cordeiro) assinaram um documento onde afirmavam estar contra a redução do estatuto de protecção do lobo. A carta foi enviada em Fevereiro deste ano ao comissário europeu para o Ambiente, os Oceanos e as Pescas.

Os ministros defendiam uma combinação entre a protecção rigorosa e um “sistema eficaz” de medidas preventivas e compensatórias — isto é, medidas que permitam aos agricultores e criadores de gado não só evitarem os ataques de carnívoros, mas também serem indemnizados justamente, quando esses ataques ocorrem. Esse é o caminho que “trará as melhores soluções”, diziam.

A resolução do Parlamento Europeu cita uma avaliação recente do estado de conservação do lobo na Europa, levada a cabo pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), para referir que a área de distribuição deste predador no continente “registou um aumento de mais de 25%” nos últimos dez anos. Mas reconhece também que há um impacto negativo com os ataques ao gado.

Defendendo uma “coexistência construtiva entre os grandes carnívoros e a criação de gado”, o documento “convida” a Comissão Europeia a avaliar os dados científicos com regularidade, para “adaptar o estatuto de protecção das espécies logo que seja alcançado o estado de conservação pretendido”.

Em Portugal, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) voltou a falar negativamente das indemnizações no início deste ano, argumentando que o procedimento para as receber é muito burocrático e que não cobrem os estragos devidamente e sugerindo ainda que há pagamentos que demoram “até um ano a chegar”.

“Não é só haver um mecanismo [de compensações]. Se for difícil conseguir o dinheiro, é como se o mecanismo não funcionasse”, avalia Pedro Prata, alegando que, como o procedimento para pedir indemnizações peca por excesso de burocracia, tem havido uma “diminuição substancial” dos pedidos de ajuda.

O lobo-ibérico continua a ser classificado como estando “em perigo” de extinção. A avaliação que a IUCN publicou em Setembro indica que, “com base nos melhores dados disponíveis”, é provável que presentemente o número total de lobos nos 27 Estados-membros da UE ronde os 19 mil.

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