Solidão e envelhecimento: uma combinação perigosa para a saúde dos mais velhos

Uma forma eficaz de tentar reverter esta tendência é através da criação de programas e iniciativas que envolvam a comunidade.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito de “saúde”, mais do que ausência de doença, representa uma situação de completo bem-estar físico, psíquico e social, incluindo também a adequação de cada indivíduo ao meio onde está inserido.

A saúde é um direito social, inerente à condição humana, que deve ser assegurado sem distinção de raça, religião, ideologia política ou condição socioeconómica. A saúde é apresentada como um valor coletivo, um bem que deve ser acessível a todos.

Atualmente, parece existir uma crescente preocupação com o aumento da esperança média de vida e com as questões relacionadas com a longevidade, ganhando destaque a preocupação com hábitos de vida saudável, mas a verdade é que a saúde, neste conceito amplo, está longe de ser acessível a todos. Existem diversos fatores que contribuem para esta realidade: a alimentação pouco adequada, a poluição, os conflitos, a violência, as desigualdades, a desinformação, entre outros.

O Objetivo 3 do Desenvolvimento Sustentável pretende “assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades”, mas isto está a acontecer? O World Health Statistics 2018, que apresenta as mais recentes estatísticas mundiais de saúde, “destaca progressos notáveis” em algumas áreas da investigação, no entanto, outras áreas fundamentais continuam estagnadas. Os dados do relatório destacam, entre outros pontos, que apenas 1/3 da população mundial recebe atualmente todos os cuidados de saúde essenciais.

Estes vários pilares da saúde devem todos convergir para o mesmo fim: adequar a resposta a cada pessoa, a cada cidadão, para que este goze do seu direito à saúde nas vertentes referidas. Centremo-nos, agora, no bem-estar social, referido pela OMS, e pensemos que, enquanto resposta concreta a um problema social crescente, acredito que trabalhar em rede e articular esforços para que haja eficácia nas respostas é o caminho a seguir. O envelhecimento da população traz desafios que devem ser olhados com urgência, analisados com seriedade e respondidos de forma eficaz.

Ao longo do processo de envelhecimento, é comum vivenciar-se cada vez mais o isolamento social e a solidão, que podem ter um impacto significativo na saúde física e mental — algo potenciado também em grande medida pela pandemia de covid-19, que forçou a população a estar isolada dos entes queridos e da restante comunidade, realçando ainda mais a importância das ligações sociais.

No entanto, o isolamento social e a solidão são dois termos distintos, e é importante compreendermos as diferenças. O isolamento social é definido pelo SNS como a falta de contacto social ou familiar, a ausência de envolvimento na comunidade ou com o mundo exterior e a ausência ou dificuldade no acesso a serviços. Enquanto a solidão é definida como um sentimento subjetivo que se relaciona com a ausência de contacto, de sentimento de pertença ou com a sensação de se estar isolado.

De acordo com um estudo realizado em Portugal com mais de 1200 pessoas entre os 50 e os 101 anos, divulgado pelo SNS, concluiu-se que cerca de 20% das pessoas que sentem solidão são mulheres e 7,3% são homens. Sendo que o sentimento de solidão aumenta com a idade: 9,9% dos 50-64 anos; 26,8% com 85 anos ou mais. E é também mais frequente em pessoas viúvas (30,6%) e solteiras (15,8%) do que em pessoas casadas (9,2%).

Tanto o isolamento social como a solidão podem ter um efeito profundo no bem-estar mental e físico, especialmente das pessoas mais velhas, levando a uma série de resultados negativos para a saúde. Relativamente à saúde mental, há um maior risco de estas pessoas desenvolverem doenças como depressão e ansiedade, o que pode levar a um maior afastamento social e a um declínio na sua saúde global, com consequente redução da qualidade de vida.

Já no que diz respeito à saúde física, a investigação demonstrou que os idosos que experienciam este problema estão em maior risco de desenvolver problemas de saúde crónicos tais como hipertensão, diabetes e doenças cardíacas. Além disso, também pode levar ao enfraquecimento do sistema imunitário, tornando as pessoas idosas mais suscetíveis a infecções e doenças cardiovasculares, hipertensão, entre outras.

Uma forma eficaz de tentar reverter esta tendência é através da criação de programas e iniciativas que envolvam a comunidade. Estes programas podem proporcionar aos mais velhos oportunidades de voltarem a criar relações interpessoais, a envolverem-se em atividades sociais, e a terem uma participação ativa novamente nas suas comunidades.

Por exemplo, podem ser desenvolvidos projetos que promovam a vida ativa deste grupo de pessoas através da partilha do seu conhecimento ou iniciativas para aqueles que já não têm tanta mobilidade poderem sentir-se novamente valorizados e conectados com as suas comunidades através de passeios regulares de trishaw, pelas ruas das cidades, permitindo que passageiros e pilotos voluntários possam conversar, trocar experiências, ouvir histórias de vida, enquanto passeiam pelos bairros. Há, ainda, centros de dia e autarquias que dinamizam, frequentemente, programas e atividades especificamente pensados para estes objetivos.

A tecnologia pode também desempenhar um papel importante no combate ao isolamento social e à solidão indesejados, seja através de plataformas de videoconferência, meios de comunicação social, e outras ferramentas digitais que podem ajudar as pessoas nesta situação de vulnerabilidade a estarem mais próximas da família e amigos, bem como a participarem em atividades sociais virtuais.

Para além disto, torna-se importante que os prestadores de cuidados de saúde estejam atentos a sinais de solidão ou isolamento social, e que façam o seu encaminhamento para programas que possam dar o apoio necessário. Aqui também os decisores políticos devem ter um papel ativo no sentido de impulsionar e apoiar a concretização de programas que incentivem o envolvimento da comunidade e tragam a discussão deste tema para o debate público.

Em suma, o impacto do isolamento social e da solidão sobre a saúde dos seniores não pode ser ignorado. A abordagem destas questões requer uma ação multifacetada que inclua apoio social, programas comunitários, e intervenções de saúde. É essencial que reconheçamos a importância das relações sociais para a saúde e bem-estar deste grupo de pessoas e tomemos medidas para assegurar que estas permaneçam socialmente empenhadas e ligadas às suas comunidades. Ao fazê-lo, podemos ajudar a melhorar a saúde e o bem-estar da nossa população mais sénior.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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