BE quer criar crime de assédio sexual e códigos de conduta nas instituições de ensino

Bloquistas defendem que o Governo constitua uma estrutura independente para receber denúncias de assédio nas instituições de ensino superior e apoiar as vítimas.

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Partido entregou projectos no seguimento de denúncias de assédio sexual e moral no CES Tiago Lopes

O Bloco de Esquerda (BE) deu esta quinta-feira entrada no Parlamento a um projecto de lei para tipificar o crime de assédio sexual e criar o crime de assédio sexual qualificado e a um projecto de resolução que visa estabelecer códigos de conduta, assim como criar uma estrutura independente de apoio às vítimas e denúncias de assédio nas instituições de ensino superior.

Numa conferência de imprensa na Assembleia da República, a deputada Joana Mortágua admitiu que as recentes denúncias de assédio sexual e moral no Centro de Estudos Sociais de Coimbra "motivaram este debate", mas assinalou que o BE "tem vindo a reflectir" sobre estes projectos desde os casos denunciados na Faculdade de Direito de Lisboa no ano passado.

"É um amplo debate que achamos que a sociedade deve ter, mas sobretudo temos de estar concentrados nesta ideia: o assédio sexual é um problema da sociedade portuguesa como em todas as sociedades, é uma forma de violência contra as mulheres, é sistemático em muitos ambientes, laborais e académicos, e tem de ser combatido", afirmou.

A deputada justificou a apresentação dos projectos com o facto de o código penal não reflectir o "fenómeno social de assédio sexual como ele é compreendido pela sociedade", já que não está tipificado na lei como tal - é previsto como crime de importunação sexual - o que, defende, "deixa um vazio e uma subjectividade de interpretações que atrapalha a aplicação da lei". "Não podemos deixar que a sociedade evolua em relação à censura de alguns comportamentos que o código penal não acompanha", afirmou.

No primeiro projecto, a que o PÚBLICO teve acesso, o partido pretende substituir o crime de "importunação sexual" pelo crime de "assédio sexual", estabelecendo que o mesmo consiste em importunar sexualmente outra pessoa com actos de "carácter exibicionista", tanto pessoalmente como "através dos meios digitais", em formular propostas e comentários "verbais ou não verbais de teor sexual" ou constranger alguém "física ou verbalmente a contacto íntimo ou de natureza sexual". A proposta mantém a pena de prisão já prevista de um ano ou multa até 120 dias.

Os bloquistas sugerem também criar o crime de assédio sexual qualificado, punindo-o com pena de prisão até três anos ou pena de multa, "se o assédio sexual for praticado em circunstâncias que revelem especial censurabilidade". Isto é, se a pessoa que praticar o crime tiver "relação familiar ou de parentesco com a vítima, coabitação, tutela ou co-tutela", se for "superior hierárquico" ou tiver "ascendência" sobre o "exercício de emprego, cargo ou função" da vítima ou se esta for "pessoa particularmente vulnerável".

Estrutura independente de apoio e denúncia

O BE recomenda ainda ao Governo que crie, "sob a tutela conjunta da Igualdade e do Ministério do Trabalho e em articulação com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, uma estrutura de apoio às vítimas de assédio e discriminação em meio académico" responsável por receber queixas e prestar "apoio social, psicológico, administrativo e jurídico".

Para Joana Mortágua, não devem ser as instituições de ensino superior a criar autonomamente os seus mecanismos para lidar com as situações de assédio, como defende a ministra do Ensino Superior, mas deve existir uma estrutura independente, uma vez que as "práticas endógenas nestas instituições não permitem a denúncia por medo de represálias, coacção ou repressão".

A proposta prevê ainda que o executivo estabeleça um prazo limite para as instituições públicas e privadas "e demais organismos no seu perímetro académico e institucional" criarem códigos de conduta sobre as "relações sociais em meio académico", colocando na revisão do regime jurídico das instituições a obrigatoriedade de criarem estes códigos, assim como "mecanismos de denúncia e apoio".

O partido quer, por fim, que o Governo desenvolva formações "anuais, gratuitas e obrigatórias" para a comunidade académica relativas ao "combate ao assédio laboral e sexual no contexto académico".

Sobre as recentes declarações da ministra do Ensino Superior que esta quinta-feira revelou que nos últimos cinco anos houve 38 queixas de assédio sexual nas universidades, Mortágua considerou deve haver uma "realidade oculta muito maior".

E afirmou que, ao contrário do que sinalizou a governante, o objectivo não deve ser que não haja denúncias, mas que "haja muitas denúncias" para que essas vítimas sejam protegidas e os agressores levados a justiça. "Tem de haver um ambiente de censura e justiça em todas as instituições", resumiu.

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