Andi fingiu ser milionária para entrar em apartamentos de luxo de Nova Iorque. E abriu-nos as portas

Em 2016, a artista Andi Schmied criou uma identidade falsa para entrar onde só os ricos podem. A suposta bilionária Gabriella visitou 25 apartamentos até 2020 sem nunca ter sido apanhada.

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Andi fingiu ser bilionária para entrar nos apartamentos de luxo de Nova Iorque Ava Lynam/ Andi Schmied
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Nova Iorque, 2016. A artista Andi Schmied decidiu aceder “ao cliché” de subir ao topo do Empire State Building para ver as vistas. Enquanto apreciava a paisagem do Central Park, apercebeu-se de que existiam vários prédios mais altos do que aquele em que se encontrava. “Como serão as vistas daquela perspectiva?”, questionou-se. O próximo passo lógico era tentar entrar num deles.

“A única forma era fingir que queria comprar ou arrendar um desses apartamentos”, explica em entrevista ao P3. Mas havia um problema: são edifícios onde só os mais ricos podem entrar. Andi, que passou a chamar-se Gabriella Schmied (usando o segundo nome para construir um alter ego), fingiu ser uma bilionária húngara que queria mudar-se para a cidade que nunca dorme. Só que, na verdade, estava a preparar um fotolivro sobre estes edifícios.

“O nome foi criado simplesmente porque eu sabia que se os agentes imobiliários pesquisassem o meu nome no Google iam encontrar a minha verdadeira identidade, por causa dos meus outros projectos de arte, e não seria muito credível. Usei simplesmente o meu nome do meio como apelido, e isso eles não conseguiam encontrar online”, explica.

Andi visitou 25 apartamentos de luxo em Nova Iorque Andi Schmied
Andi fez-se passar por bilionária para conseguir ver as casas Andi Schmied
Os apartamentos não são construídos para serem habitados Andi Schmied
As visitas começaram em 2016 e terminaram em 2020 Andi Schmied
O objectivo da artista era mostrar as vistas a todos Andi Schmied
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Andi visitou 25 apartamentos de luxo em Nova Iorque Andi Schmied

Entre 2016 e 2020, Andi visitou 25 apartamentos. O esquema era quase sempre o mesmo: as visitas eram sempre agendadas entre Coco (ela própria, mas no papel de uma assistente falsa) e as imobiliárias — que nunca desconfiaram de nada. A história é semelhante à de Anna Delvey, a falsa herdeira alemã que enganou a alta sociedade de Manhattan — a diferença é que Gabriella surgiu anos antes.

“Em Nova Iorque, quando as pessoas querem alugar um apartamento de 50 metros quadrados, têm de mostrar um cheque antes de o irem ver. Ironicamente, por causa destes preços superaltos, os agentes imobiliários não pedem para ver os cheques das pessoas super-ricas, porque elas nunca o permitiriam”, destaca.

Bilionária criada para os agentes

Gabriella era o estereótipo de uma mulher rica: tinha marido, chef, ama para as crianças, e, claro, uma enorme quantidade de roupa e sapatos que facilmente caberiam nos enormes walk-in closets que todas estas penthouses têm. Para reforçar o álibi, dizia que tinha motorista privado — quando, na verdade, ia para as visitas de metro.

Quase sempre as imobiliárias assumiam que era o marido (um amigo da artista) a pessoa encarregada de gerir a fortuna do casal e tomar as decisões financeiras, o que faria de Gabriella uma mera mensageira.

“Quando ele não estava nas visitas, diziam-me o que tinha de lhe dizer, mas quando estava era ainda mais estranho. Às vezes levavam-no para o lado e começavam a sussurrar para lhe dizerem que o apartamento era um grande investimento e toda a parte financeira”, adianta. A ela, por outro lado, falavam-lhe do espaço das divisões e da comodidade do quarto.

Inicialmente encarou estes comentários sexistas como um insulto, até se aperceber que era algo comum neste meio. Segundo a artista, 85% dos bilionários são homens e a grande maioria da fortuna das mulheres ricas é herdada. Contudo, não era o caso de Gabriella, que queria mostrar que quem tomava as decisões na família era ela. Ainda assim, fazia questão de tirar fotografias às divisões com uma câmara analógica para depois mostrar ao marido — ou, pelo menos, gostava que os outros pensassem que era disso que se tratava.

“Cheguei a um ponto em que quanto mais alto era o preço [do imóvel] e mais estranha a minha atitude, mais credível era o facto de ser bilionária”, salienta. Acabou por passar a imagem de bilionária artística que perguntava a opinião dos agentes sobre a mais recente exposição do MoMa ou os locais culturais que deveria visitar.

Casas que nunca serão habitadas

O apartamento mais caro que Andi visitou custava 85 milhões de dólares (77 milhões de euros) e o mais barato, dez milhões (nove milhões de euros). Estes empreendimentos costumam disponibilizar equipamentos como restaurante privado, piscinas, ginásios, salas de conferências ou simuladores de golfe, no entanto, não são construídos para serem habitados. São encarados como um investimento de ricos, explica Andi. Quanto mais alto for o prédio, melhor para o mercado.

“São todos enormes, têm todos 400 metros quadrados e foi sempre um grande arquitecto que desenhou o edifício. Também há algum designer de interiores famoso, mas, para ser sincera, os interiores são todos iguais”, afirma, acrescentando que os materiais se resumem-se a um chão de madeira e “ao mármore mais caro do mercado” que os agentes imobiliários faziam sempre questão de destacar em cada visita.

Apesar de custarem milhões, segundo Andi os apartamentos são todos iguais Andi Schmied
Parte do Central Park não recebe sol Andi Schmied
Quanto mais alto for o edifício melhor para o mercado imobiliário Andi Schmied
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Apesar de custarem milhões, segundo Andi os apartamentos são todos iguais Andi Schmied

Numa das visitas, enquanto apreciava a vista de um dos quartos, o agente destacou a mistura de paisagens do século XIX e XXI e a infância feliz que o filho (que nunca existiu) da bilionária iria ter naquele apartamento. Recorrendo a uma técnica de discurso teatral, procurou que a cliente criasse uma ligação emocional à casa, mas recorria a pormenores que Andi descreve como pouco atraentes. “Imagine que está na banheira com o seu marido...”, sugeriu o vendedor. “Não consigo imaginar como é que isso atrai alguém...”, recorda a artista.

Por outro lado, também há quem aja normalmente, mostre as divisões, o preço e pergunte se o cliente gostou da casa.

Quando estamos repetidamente em apartamentos de luxo no 70.º andar de um prédio com vista para o Central Park, o discurso “torna-se muito repetitivo”, descreve. “Com o tempo fiquei mais interessada neste universo de bens imobiliários de luxo e no que os agentes diziam para me convencer e quais eram as suposições deles sobre uma mulher rica.”

Andi não viveria nestes espaços, mas Gabriella mostrava-se interessada e o projecto acabou por dar origem a um minidocumentário da Vice.

Tornar o luxo acessível a todos

Em 2020, as fotografias que Gabriella tirava para mostrar ao suposto marido deixaram de ser exclusivas e estão agora no livro Private Views: a High-rise Panorama of Manhattan. O projecto expõe o mercado imobiliário de luxo de Nova Iorque e todos e os problemas destas construções, como o facto de uma parte da cidade nunca receber sol, e de, nos dias nebulosos, não existir vista. Para Andi, sair à varanda nestes momentos é como estar dentro de uma nuvem.

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Andi Schmied

Apesar de estar preparada para receber emails com insultos depois de a farsa ter sido revelada, nunca teve problemas nem foi contactada pelos agentes imobiliários que lhe mostraram os apartamentos. Até agora, o feedback que tem recebido é positivo, mesmo por parte de outros agentes que aplaudiram a iniciativa, lamentaram que estas vistas sejam um privilégio e criticaram o sector imobiliário que dizem odiar, mas que lhes dá trabalho.

Os imóveis de luxo vão continuar a ser um dos interesses de Andi, que está neste momento a completar um projecto de doutoramento sobre os efeitos negativos destas construções em cidades como Nova Iorque ou o Dubai, que visitou há duas semanas. Gabriella, por outro lado, desapareceu em 2020 — e nunca comprou um apartamento.

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