Protestos na Tunísia depois da morte de futebolista que se imolou pelo fogo

Futebolista e pai de quatro filhos imolou-se para protestar contra as acções da polícia tunisina. “Não tenho mais energia, que o Estado policial saiba que a pena será executada hoje”, disse.

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O futebolista, numa fotografia publicada no seu Facebook em 2013 Facebook Nizar Issaoui

Nizar Issaoui, futebolista de 35 anos que subiu das divisões inferiores até representar o US Monastir, da principal Liga Profissional Tunisina, morreu dias depois se ter imolado pelo fogo em protesto contra “o Estado policial”, na segunda-feira. Após os protestos de quinta-feira à noite, quando a sua morte foi anunciada, os habitantes de Haffouz, a sua pequena cidade na província de Kairouan, voltaram a manifestar-se e envolveram-se em confrontos com a polícia na sexta-feira, dia do funeral, e já na madrugada de sábado.

“Com o nosso sangue e a nossa alma vamos sacrificar-nos por ti, Nizar”, gritaram as centenas de pessoas que se juntaram diante da casa de Issaoui, aguardando a chegada dos seus restos mortais. O futebolista, pai de quatro filhos, começou por ser internado em Kairouan, mas foi depois transferido para um hospital especializado em queimaduras, nos arredores de Tunes, onde acabou por morrer.

Foi a morte do jovem vendedor ambulante Mohamed Bouazizi, que se imolara pelo fogo, a desencadear a revolução que derrubou a ditadura de Ben Ali, na Tunísia, a primeira das revoltas do que ficou conhecido como Primavera Árabe, em Janeiro de 2011.

Como Bouazizi, também Issaoui se queixou de ter sofrido uma injustiça às mãos da polícia. Num vídeo publicado na sua página de Facebook, explicou que tinha feito queixa de um vendedor que lhe pediu o triplo do preço estipulado pelo Governo por um quilo de bananas – em Março, foram anunciados preços fixos para as bananas e maçãs, num país que enfrenta uma grave crise económica, social e política, e onde os preços não param de aumentar.

Mas a sua queixa, na esquadra, valeu-lhe uma acusação de “terrorismo”, contou. Na sua mensagem dizia ter decidido autocondenar-se “à morte pelo fogo”: “Não tenho mais energia, que o Estado policial saiba que a pena será executada hoje”. Dias mais tarde, filmou-se enquanto denunciava as injustiças que dizia ter sofrido e pegava fogo à sua roupa.

Quando percebeu que Issaoui ameaçava imolar-se, a polícia tentou intervir. “Ele acendeu o isqueiro logo depois de a polícia lançar gás lacrimogéneo”, disse ao jornal Le Monde Bassem Issaoui, seu primo e membro de uma associação de defesa dos consumidores.

O caso está a gerar consternação nacional, numa altura em que a situação de pobreza dos tunisinos continua a agravar-se. Mas desde Bouazizi, muitos tunisinos têm reagido às dificuldades e ao desespero com o mesmo gesto. Até 2016, quando um pico de imolações pelo fogo levou as autoridades a deixar de comunicar estatísticas oficiais, escreve o Le Monde, havia em média cem casos por ano.

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