Cérebro é capaz de avaliar várias estratégias em simultâneo para tomar uma decisão

Quando tomamos uma decisão, nem sempre é tão simples como parece no dia-a-dia. Cientistas da Fundação Champalimaud descobriram que o cérebro pode avaliar várias hipóteses em simultâneo.

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Ao tomar decisões, o cérebro junta várias informações diferentes em simultâneo para decidir rapidamente Daniel Rocha

O cérebro é capaz de avaliar várias estratégias complexas em simultâneo para tomar uma decisão, refere um estudo da Fundação Champalimaud que abre porta a novas formas de pensar os processos envolvidos na tomada de decisões.

Como é que decidimos que fila escolher nas caixas do supermercado? Foi a partir desta escolha, aparentemente simples, do dia-a-dia de qualquer pessoa que um grupo de investigadores partiu para o estudo dos processos envolvidos na tomada de decisões – porque, por muito simples que pareça, a escolha pode envolver um número alargado de estratégias de decisão, desde contar o número de pessoas em cada fila, o número de artigos no carrinho ou mesmo a velocidade de cada operador.

De acordo com as conclusões do estudo publicado na revista Nature Neuroscience, perante uma decisão com tantos factores a considerar, o cérebro é capaz de calcular várias estratégias alternativas de decisão em simultâneo, em vez de se comprometer apenas com uma.

O estudo foi conduzido por três investigadores, na Fundação Champalimaud em Lisboa, que conceberam uma espécie de mundo virtual para ratinhos, onde tinham como tarefa procurar água.

Neste mundo virtual, qualquer zona podia oferecer água, mas de forma inconsistente, ou seja, “de um momento para o outro pode ‘secar’ e deixar de dispensar água”, explica a fundação em comunicado, acrescendo que, dessa forma, os ratinhos tinham de decidir quando sair de um determinado local e ir para outro.

Um pouco à semelhança das filas de supermercado, também esta escolha pode envolver várias estratégias, cada uma combinando, neste caso, erros e tentativas bem sucedidas ao longo de tempo de forma particular e, portanto, com uma “assinatura do tempo decorrido”, ou variável de decisão, própria.

Dessa forma, quando monitorizavam a actividade de grandes grupos de neurónios individuais no córtex pré-motor, enquanto os ratinhos desempenhavam a tarefa, foi possível aos investigadores procurar combinações dos perfis temporais de actividade dos neurónios pré-motores, que poderiam assemelhar-se às variáveis de decisão associadas a diferentes estratégias.

A conclusão surpreendeu a equipa: “Apesar de cada ratinho se concentrar na sua própria estratégia, os seus cérebros não.”

“O cérebro pode realmente executar várias estratégias de contagem diferentes ao mesmo tempo, o que nos remete para o conceito de superposição na mecânica quântica”, refere Zack Mainen, um dos investigadores principais, citado em comunicado.

Como explica outra das investigadoras, Fanny Cazettes, apesar de a actividade no córtex pré-motor reflectir a estratégia que o animal estava realmente a usar, reflectia também “variáveis de decisão alternativas úteis para a mesma tarefa e até mesmo variáveis de decisão úteis para outras tarefas”.

As conclusões abrem agora porta a novas formas de pensar os processos envolvidos na tomada de decisões, explica a investigadora, adiantando que o próximo passo será investigar como o cérebro selecciona entre diferentes variáveis de decisão e como essas decisões são traduzidas numa acção.

Alfonso Renart, também investigador principal, sublinha que a possibilidade de representar, em simultâneo, as estratégias usadas e não utilizadas poderá facilitar a flexibilidade cognitiva e de aprendizagem, uma vez que “a mudança de estratégias requer apenas que seja dada atenção à variável de decisão pré-computada correcta, em vez de construí-la do zero”.

“​[As conclusões] podem ainda ter implicações para o desenvolvimento de sistemas de machine learning [a utilização de dados e algoritmos para imitar a forma como os humanos aprendem] mais flexíveis e adaptáveis, o que poderá ser particularmente útil em situações onde há um alto grau de incerteza ou complexidade”, acrescenta Zach Mainen.

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