72 Seasons, dos Metallica: o tempo não volta para trás

Os Metallica já não são a mesma banda que fez vários dos clássicos do metal. Mas o 11.º álbum de originais, que será editado nesta sexta-feira, tem os seus trunfos.

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Em 72 Seasons, os Metallica asseguram um álbum sólido Tim Saccenti

No início do ano, pouco depois de os Metallica terem anunciado um regresso ao estúdio para gravar o 11.º álbum de originais, James Hetfield, frontman, guitarrista e motor da banda que é um dos maiores pilares do thrash metal da Bay Area de São Francisco da década de 1980, ainda sem existir muito que se pudesse adiantar sobre a sonoridade do novo trabalho, explicou o significado escondido atrás do nome do disco. 72 Seasons, que é o mesmo que dizer 18 anos, marca o tempo necessário para o ser humano formar a sua personalidade, com base na herança que lhe foi deixada por quem mais influência teve nesses primeiros passos de entrada no mundo.

Esse conjunto de crenças, herdado numa fase em que o acne ainda não desapareceu de alguns rostos, pode parecer inabalável e, ao mesmo tempo, pode ser combustível para um estado de espírito de combate quase visceral – muitas vezes, ainda sem se ter grandes certezas para onde deve ser direccionado.

Na verdade, esta descrição também assenta bem na tentativa de explicar e definir o que é o subgénero que os Metallica ajudaram a criar e a popularizar. Mas acreditar que tudo se sabe aos 18 anos e que todo o conhecimento que foi adquirido se manterá estanque até ao final da vida, mais do que ingénuo, é negar a própria evolução. E se há coisa que o percurso da banda de James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammett e Robert Trujillo provam com a sua carreira de mais de 40 anos é que a cristalização não é uma opção.

Os Metallica já não são a mesma banda de 1983, quando se estrearam com Kill ’Em All, nem quando em 1991 editaram o controverso homónimo, também conhecido por Black Album – os fãs mais puristas da primeira vaga decretaram aqui o fim da ligação da banda ao thrash metal. Já os da geração seguinte serviram-se desta via para paulatinamente descobrirem o lado mais extremo do metal. Anos mais tarde, na segunda metade de 1990, com Load e Reload, alguns destes fãs da segunda leva juntavam-se a outros para anunciar como certo o fim da era metaleira do grupo.

Desde então, muitos ficaram à espera de ver editado um novo Ride the Lightning, um Master of Puppets ou um ...And Justice For All, clássicos do metal. Só que isso nunca mais aconteceu e não parece plausível que alguma vez vá acontecer. E, seguramente, não é com 72 Seasons que os Metallica vão satisfazer esses fãs ainda presos às mesmas crenças que tinham nas suas primeiras 72 estações.

Este novo disco serve a quem nunca se importou com as sucessivas mutações do grupo. É justo dizer que, apesar de alguns elementos identitários que tornam a banda reconhecível em qualquer um dos trabalhos (os vícios da voz de Hetfield, a forma como Lars usa as baquetas), os Metallica nunca fizeram um álbum igual. O novo disco obedece exactamente à mesma lógica evolutiva que têm seguido os outros.

Os primeiros quatro singles apresentados nos últimos meses – 72 seasons, Lux Æterna, Screaming suicide e If darkness had a son – resumem na perfeição o alinhamento composto por 12 músicas que mesclam a variedade de influências adquiridas pelos Metallica ao longo das quatro décadas e, ao mesmo tempo, são o reflexo de que a vontade de arriscar ainda não esmoreceu.

O disco arranca com raiva e a expiar traumas através do tema que dá nome ao álbum. O riff de guitarra de entrada assegura que a banda não esqueceu a raiz thrash e as baquetas de Lars desvendam que este é mais um trabalho em que a bateria está presente apenas para cumprir, nunca entrando em exercícios de experimentação que fogem às mãos e aos pés do baterista que, com Hetfield, fundou os Metallica.

Em Shadows follow, com um balanço de guitarra pegajoso, o vocalista tenta chegar a notas mais altas e, claramente, denuncia estar preparado para tentar elevar o seu registo. Em Screaming suicide, em certos momentos a pisar a linha do hard rock mais oitentista, o solo de Kirk Hammett dá para trautear. Já em Sleepwalk my life away, Robert Trujillo tem a primeira oportunidade para fazer com que o seu baixo se ouça, numa música que tem refrão superpop, que só não serve de single para as rádios porque ultrapassa os seis minutos de duração. O groove deste tema entra numa espécie de vertigem que remete para o stoner rock – talvez alguns fãs do género com alergia a Metallica possam ter alguma dificuldade em aceitá-lo.

Em You must burn!, a convidar a um headbanging mais lento, já se começa a perceber que este será o álbum do século XXI que mais perto anda de Load e Reload. Crown of barbed wire dá todo o espaço e mais algum a Kirk Hammet para solar. E Room of mirrors é terreno minado para Lars se poder espalhar ao vivo, se algum dia fizer parte de um dos alinhamentos.

O disco termina com Inamorata, um épico de 11 minutos que arranca com um pé no sludge e perde-se num momento mais contemplativo com Trujillo a segurar com o baixo uma guitarra mais exploratória e um registo vocal próximo dos tempos de Load.

Em 72 Seasons, os Metallica asseguram um álbum sólido, com riffs de guitarra à prova de bala e empolgantes, que só não ganham outra dimensão porque Lars, na bateria, não sai do modo de três velocidades definidas por defeito: lento, rápido e assim-assim. Hetfield esforça-se para sair da sua zona de conforto, embora não seja fácil disfarçar hábitos antigos. Hammett tem muito espaço para solos, alguns com engenho e outros (muitos) olvidáveis. Trujillo assegura com o baixo o corpo que os temas precisam. Louva-se o esforço dos quatro membros, a entrar na casa dos 60 anos, por não pararem de compor temas novos. Porém, quando for altura de tocá-los ao vivo, o mais certo é que, como é habitual, sirvam apenas de aquecimento para o material mais antigo.

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