Índia pode ultrapassar a China e tornar-se o país mais populoso do mundo

O crescimento da população deve preocupar-nos? Especialistas sublinham importância de reduzir consumo, erradicar a pobreza e desigualdades e garantir segurança alimentar e energética.

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A taxa de fertilidade ainda está muito relacionada com situações de pobreza e a falta de acesso ao planeamento familiar Reuters/ANUSHREE FADNAVIS

É o fim de uma era: a Índia está prestes a tornar-se o país mais populoso do mundo, ultrapassando a China. A previsão da transição em Abril deste ano tem sido esperada desde o relatório Perspectivas Populacionais Mundiais 2022, lançado no ano passado no Dia Mundial da População. Em sites como o World Population Review, os países já estão “taco a taco”, com uma diferença de pouco mais de 25 mil habitantes.

Mas não se deixe enganar: “É impossível saber a data certa para esta transição, tendo em conta as limitações de dados disponíveis”, refere a secção de Estimativas e Projecção Populacional do Departamento das Nações Unidas para Assuntos Económicos e Sociais (UNDESA), em resposta ao PÚBLICO.

Neste caso, apesar de tanto a China como a Índia realizarem recenseamentos populacionais e habitacionais com regularidade — na China, os censos mais recentes foram realizados em Novembro de 2020 —, já passou mais de uma década desde o mais recente recenseamento da Índia. Os censos da Índia previstos para 2021 foram adiados devido a desafios associados à pandemia da covid-19, estando agora agendados para 2024.

“A incerteza associada às estimativas e projecções implica que a data em que se espera que a Índia ultrapasse a China em dimensão populacional seja aproximada e sujeita a revisão à medida que mais dados se tornam disponíveis”, explica a entidade. A UNDESA avança que, devido às várias questões que têm chegado de jornalistas de todo o mundo, deverá ser divulgado no final de Abril um resumo técnico sobre esta questão.

Limites para o crescimento?

As questões demográficas mantêm-se na agenda ao longo das últimas décadas por vários motivos, desde a crise que se vive nos países mais desenvolvidos (que faz prever problemas com o envelhecimento da população) aos debates ainda complexos sobre saúde sexual e reprodutiva, passando pela grande questão que se levanta quando se publicam notícias como a da Índia: haverá um limite de população que o nosso planeta aguenta?

Em Novembro do ano passado, o debate voltou a ganhar destaque, quando o planeta chegou aos oito mil milhões de habitantes. A taxa global de crescimento populacional, contudo, tem vindo a descer desde a década de 1950, sendo que a estimativa é que a população atinja o seu pico nas próximas décadas, entrando em seguida em declínio rápido.

As projecções mais recentes das Nações Unidas indicam que a população deve continuar a crescer, atingindo 8,5 mil milhões de habitantes em 2030 e 9,7 mil milhões em 2050, até atingir um pico nos 10,4 mil milhões de pessoas durante os anos 2080. Seguir-se-á uma estagnação dos números até cerca de 2100.

Contudo, um estudo encomendado pelo Clube de Roma ao colectivo de cientistas Earth4All aponta para uma projecção significativamente inferior. No documento “Pessoas e Planeta: Cenários Populacionais Sustentáveis no Século XXI e Padrões de Vida Possíveis dentro das Fronteiras Planetárias”, publicado no final de Março, os investigadores do Earth4All aplicam um modelo de dinâmica de sistemas para demonstrar que existe uma via para o crescimento da população abrandar — e atingir o seu pico ainda em meados do século XXI.

Pico em 2050 — ou mesmo em 2040

Se o mundo for capaz de dar um “salto gigante” no investimento em desenvolvimento económico, educação e saúde, afirmam os cientistas, a população global poderá atingir um pico de 8,5 mil milhões de pessoas antes de metade do século. Segundo este cenário, que junta as tendências demográficas actuais ao potencial impacto de políticas económicas, após o pico estimado para acontecer cerca de 2040, a população vai em seguida declinando até cerca de 6 mil milhões de pessoas até ao final do século.

Mas mesmo no modelo menos optimista previsto no documento, sem grandes alterações no ritmo de desenvolvimento económico dos últimos 50 anos, os investigadores estimam que a população mundial atinja um pico de 8,6 mil milhões de habitantes em 2050, “encolhendo” nas décadas seguintes até voltar aos 7 mil milhões em 2100.

Além disso, a equipa salienta que o crescimento da população não é um problema em si mesmo — é o consumo excessivo registado em particular pelos 10% mais ricos do mundo que está a causar o desequilíbrio do planeta, ultrapassando os seus limites, assim como a extrema desigualdade na distribuição de recursos.

“O principal problema da humanidade é o ‘consumo de luxo’ do carbono e da biosfera, e não a população. Os locais onde a população está a aumentar mais rapidamente têm pegadas ambientais por pessoa extremamente pequenas em comparação com os locais que atingiram o pico da população há muitas décadas”, afirma Jorgen Randers, um dos autores do célebre relatório “Os Limites do Crescimento” (publicado pelo Clube de Roma em 1972) e co-autor do modelo usado neste novo estudo, citado num comunicado do Earth4All. Uma boa vida para todos só é possível se a elite rica reduzir a utilização extrema dos recursos”, conclui Randers.

Decrescer para quê?

“Estes resultados mostram-nos que não há razões para crer que a ‘bomba populacional’ vá explodir, mas ainda enfrentamos desafios significativos do ponto de vista ambiental”, sublinha Ben Callegari, um dos autores do estudo, em declarações ao jornal The Guardian. ​“Precisamos de um grande esforço para abordar o actual paradigma de desenvolvimento baseado no sobreconsumo e na sobreprodução, que são problemas maiores do que a população.”

Se por um lado existe uma preocupação com os perigos para o planeta decorrentes do crescimento da população, os cientistas sublinham que limitar o crescimento não é suficiente para que se garanta a sustentabilidade ecológica.

Os cientistas do Earth4All apontam cinco áreas onde é essencial haver mudanças para que o crescimento — que, aliás, tende a converter-se em decrescimento — seja sustentável: reduzir o consumo, erradicar a pobreza e as desigualdades (incluindo as de género) e equilibrar sistemas alimentares e de energia.

Algumas destas intervenções têm efeitos profundos, com desdobramentos em outras áreas: “Sabemos que o desenvolvimento económico rápido nos países com menos rendimentos tem um enorme impacto nas taxas de fertilidade”, afirma o investigador Per Espen Stoknes, director do Centro para a Sustentabilidade da Escola de Negócios Norueguesa, que liderou o estudo. “As taxas de fertilidade diminuem à medida que as raparigas têm acesso à educação e as mulheres têm poder económico e acesso a melhores cuidados de saúde”, explica.

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