Gaia montou uma “bienal de causas” para espelhar a realidade “conturbada” do quotidiano

A 5.ª edição da Bienal Internacional de Arte de Gaia arranca este sábado e prolonga-se até Julho. Mais de 300 artistas vão expor obras de pintura, escultura ou fotografia para “agitar consciências”.

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A bienal, na 5ª edição, prolonga-se até 8 de Julho DR

Agitar consciências é a meta que pretende atingir quem organiza a 5ª Bienal Internacional de Arte de Gaia, pronta a arrancar este sábado na Companhia de Fiação de Crestuma, para lá ficar até 8 de Julho. Através da pintura, escultura ou fotografia, ficará nas mãos de mais de 300 artistas de várias nacionalidades a responsabilidade de que esse objectivo se cumpra. A organização promete “arte para reflectir”. E a base para essa reflexão será lançada por esta “bienal de causas”, como é rotulada pelos seus mentores. Em foco estarão temas como xenofobia, racismo, identidade de género, guerra ou desigualdades sociais.

O público que lá for à procura de uma obra que sirva de peça de decoração pode ficar desiludido. À partida não se está a negar, com esta afirmação, a possibilidade de se poder encontrar beleza nas peças expostas em sectores diferentes do espaço com cerca de 6 mil metros quadrados, que noutros tempos serviu de local de trabalho para uma grande comunidade de operários fabris. Mas, seguramente, não está na lista de prioridades de quem trata da curadoria do evento, que acontece uma vez a cada dois anos, expor peças que combinem com o papel de parede lá de casa.

A beleza, esse conceito relativo, pode ser achada de várias formas. Neste caso, a mensagem associada a cada uma das obras poderá ajudar a apurar o sentido da visão.

“A nossa bienal é uma bienal de intervenção. É uma bienal de causas. É uma bienal que se preocupa com os outros”, diz ao PÚBLICO Agostinho Santos, director do certame. “Numa época muito conturbada como a que vivemos, muito agitada, de guerras, de invasões, em que há cada vez mais ricos e há cada vez mais pobres, mais desigualdades, xenofobia, racismo ou violência doméstica, o quotidiano, infelizmente, é a grande fonte de inspiração de uma bienal como esta”, acrescenta.

Face a esse contexto, o responsável pelo evento questiona sobre o que se deve esperar de “uma peça de pintura, de um desenho, uma escultura ou uma fotografia” expostas na Companhia de Fiação de Crestuma. E, logo a seguir, responde: “Em vez do bonitinho e de algo que possa condizer com as sanefas e com a alcatifa que as pessoas têm em casa, mais importante do que isso é que se agitem consciências e que se contribua para uma reflexão sobre o tema.”

O programa, além da homenagem que fará aos artistas plásticos Carlos Carreiro e João Jacinto, é feito de várias camadas. Como em 2024 é ano de pausa para a bienal, antecipa-se já a celebração dos 50 anos do 25 de Abril com um conjunto de 18 trabalhos realizados por Álvaro Cunhal, entre 1951 e 1959, nas cadeias da Penitenciária de Lisboa e do Forte de Peniche. Ainda dentro do tema da Revolução, Ilda Figueiredo, vereadora comunista da oposição na Câmara do Porto, faz a curadoria da exposição colectiva de pintura Revolução – 50 Anos, 50 Artistas.

Em destaque também estará o continente africano, com uma exposição colectiva, que conta com artistas como Malangatana, Alberto Chissano ou Reinata Sadimba – a última estará presente e fará trabalhos ao vivo, como outros que por lá passarão ao longo dos próximos meses. Já Manicómio, projecto “pioneiro na promoção de trabalhos de artistas com experiência de doença mental”, lançará o debate sobre a inclusão e integração de pessoas com patologias do foro mental.

Do programa fazem ainda parte outras exposições colectivas e individuais de pintura, escultura, desenho e fotografia com curadoria de Valter Hugo Mãe, Manuela Sampaio, Zulmiro de Carvalho, Dalila D’Alte ou Emílio Remelhe. Há ainda o concurso internacional que dá origem a uma exposição colectiva composta por 38 trabalhos, seleccionados entre 250 participantes de vários países.

Fora de portas

Fora do epicentro da bienal, existem ainda duas exposições na Galeria da Biodiversidade – Centro de Ciência Viva e na Faculdade de Medicina Dentária, desenvolvidas em parceria com a Universidade do Porto.

A Artistas de Gaia – Cooperativa Cultural levará ainda exposições, com foco para os artistas locais, a diferentes cidades de Portugal e Galiza: Alfândega da Fé, Amarante, Esposende, Gondomar, Lisboa, Mirandela, Oliveira do Hospital, Paços de Ferreira, Paredes, Paredes de Coura, Peso da Régua, Viana do Castelo, Vila Praia de Âncora, Funchal e Ferrol (Galiza).

O director da bienal, Agostinho Santos, sublinha que, paralelamente às exposições em Crestuma, existirão debates e tertúlias. O objectivo é discutir o quotidiano: “Queremos que a nossa bienal agite as consciências. Um artista pode ser um lutador, pode ser um combatente.”

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