Tempo de reimaginar a semana de trabalho

Os que trabalham desenfreadamente, dizia Robert L. Stevenson, “são desprovidos de curiosidade; são incapazes de desfrutar o exercício das suas faculdades pelo mero prazer de as exercer”.

Um dia a menos de trabalho representa um dia a mais para quê? Para trabalhadores do conhecimento, como os professores universitários ou investigadores, a linha que separa o trabalho da vida pessoal é, frequentemente, indefinida. Por outro lado, durante a pandemia, muitos aperceberam-se da possibilidade de poder trabalhar a partir de casa ou fora do escritório, desde que cumprissem os objectivos. É razoável pensar que, em casa, os ritmos de trabalho se misturem com o lazer, e muitos preferem este regime, poupando dinheiro e energia gasta em viagens. A grande descoberta foi: nem toda a produtividade depende do local de trabalho.

A mais recente inovação nos ritmos laborais foram experiências-piloto para estudar o efeito de se reduzir o número de dias de trabalho de 5 (40h) para 4 (32h) ganhando-se o mesmo. O sucesso registado no Reino Unido explicou-se em termos de melhoria da higiene do sono, diminuição do stress (evitando o burnout), melhoria da saúde mental dos trabalhadores do conhecimento, aumento nos lucros (curiosamente) e menos demissões. Porém, a experiência não está isenta de desafios e receios. No mundo em grande aceleração, a produtividade ainda é vista como fazer muito em pouco tempo. E se a euforia de um dia a menos de trabalho se converte em desleixo, baixando os níveis de produtividade, entrando-se numa espiral recessiva de redução do tempo de trabalho sem sentido? O testemunho dos empresários que experimentaram este regime responde: não.

Num artigo de opinião, o empresário José Mateus escreveu no PÚBLICO: «A qualidade da produtividade é inerente ao grau de felicidade no local de trabalho e não à imposição de horários alargados e ao controle apertado do seu cumprimento. E uma das condições para essa felicidade é quem trabalha ter a percepção de que na empresa que integra, o seu bem-estar é uma questão central. Produz-se mais quando se está mais motivado, também por se sentir protegido, respeitado, e por se viver num ambiente de confiança.»

Um dia a menos no tempo de trabalho representa um dia a mais no tempo de bem-estar e essa felicidade é interpretada como um valor produtivo. Porém, o propósito do aumento do bem-estar não é a pessoa, mas antes o valor económico desse bem-estar na qualidade da produtividade. E se invertêssemos a questão? Seria como olhar para os espaços vazios que as coisas revelam.

Imaginem três Pacman em posições vértices com a boca aberta voltada para o centro do triângulo que fazem, e três pontas de triângulo como se fossem gigantes acentos circunflexos entre os Pacman: eis o triângulo de Kanizsa. A ilusão óptica criada pelo italiano Gaetano Kanizsa em 1955, faz sobressair um triângulo branco como a forma dominante e mais evidente, embora seja um espaço vazio. Mais conhecido será ainda o Vaso de Rubin, onde as saliências laterais do cálice central parecem duas faces que se olham frente-a-frente. Existem coisas e espaços vazios entre as coisas. A imaginação humana revela-se única pelo significado que dá aos espaços vazios. O que representam para a produtividade os “espaços vazios” como menos dias de trabalho? Será somente o nosso bem-estar psicossomático e o bem-estar das nossas famílias? Na verdade, este repouso produtivo é antigo.

Em Julho de 1877, a Cornhill Magazine publicou A Apologia do Ócio (Antígona, 2.ª ed., 2018), do escritor de A Ilha do Tesouro, Robert Louis Stevenson, que escreve: "o chamado ócio, que não consiste em não fazer nada mas sim em fazer muitas coisas não reconhecidas pelas formulações dogmáticas da classe dominante, tem tanto direito a afirmar a sua posição como o próprio trabalho". E o que é a negação deste ócio? O negócio.

Há muito tempo que a associação do trabalho à produtividade reflecte o domínio do valor económico que nos deixa infelizes por conduzir a um excesso de actividade. Já no seu tempo, Stevenson considerava esse excesso "sintoma de uma vitalidade deficiente; enquanto a capacidade para o ócio implica (…) uma vigorosa identidade pessoal". Os que trabalham desenfreadamente, dizia Stevenson, "são desprovidos de curiosidade; não conseguem entregar-se a paixões momentâneas; são incapazes de desfrutar o exercício das suas faculdades pelo mero prazer de as exercer". Pelo que, enquanto a produtividade como actualmente entendida pela maior parte das pessoas assenta no valor económico do tempo de trabalho, o repouso produtivo desafia essa concepção ao focar-se na felicidade das pessoas. É o que Stevenson expressa como o Teorema da Visibilidade da Vida: um homem ou mulher feliz tornam-se um foco que irradia boa vontade, iluminando qualquer sala onde entrem como segunda fonte de luminosidade.

A distinção que existe entre o tempo para o trabalho e o tempo pessoal não tem favorecido uma noção mais ampla de produtividade que una, harmoniosamente, a vida e o trabalho na direcção do seu maior equilíbrio, como parece ser a intenção da redução do número de dias de trabalho na semana. No seu livro Deep Work (Actual, 2017), Cal Newport, professor de computação da Universidade de Georgetown, formula a Lei da Produtividade com o produto da intensidade de concentração pelo tempo que despendemos a fazer algo, se quisermos obter um trabalho de elevada qualidade (= ser produtivo). O valor de uma lei (diferente de teoria) está na capacidade de nos ajudar a perceber o que temos de fazer para afectar o futuro no presente. Porém, a Lei da Produtividade não explica o repouso produtivo. Daí que me pareça haver uma Teoria da Produtividade, diferente da lei, e que formularia como: fazer bem o que tenho para fazer agora, livre de fazer o que faço, mas ciente do sentido e significado que isso oferece no caminho para uma vida plena.

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Cada dia de trabalho ou dedicado à vida pessoal é o que “temos para fazer agora”. Se fizermos bem o que temos de fazer; formos “livres” para sermos flexíveis ao ambiente que nos rodeia e aos relacionamentos com os outros; e se estivermos conscientes daquilo que estamos a fazer, não importa quanto tempo dedicamos ao trabalho e à vida, porque os dois serão sempre um reflexo da época que a nossa vida plena constrói. O tempo epocal é o que sintetiza o tempo que sentimos necessidade de gerir nos nossos trabalhos, com o tempo que sentimos necessidade de “gerar” com as oportunidades que a vida nos dá para sermos felizes. Mas o segredo do significado que encontramos nos espaços vazios entre as coisas está na conversão do valor económico associado à produtividade em valor imaginativo onde criatividade se torna produtiva.

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