Anestesia e os gases com efeito de estufa

Vingando a medida que está a ser discutida os médicos ficarão limitados na escolha do medicamento a utilizar, não por motivos clínicos, mas meramente ambientais.

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Getty Images/Shannon Fagan

A anestesiologia é uma especialidade médica cientificamente desenvolvida que habilita médicos, altamente treinados, a actuarem em duas áreas fundamentais de intervenção clínica: o acompanhamento do doente no seu período perioperatório (antes, durante e depois da cirurgia); e a realização de exames de diagnóstico.

Actualmente, são três os medicamentos mais usados em Portugal para iniciar ou manter uma anestesia geral — por vezes erradamente confundida com “dormir um bocadinho”, ou também designada por anestesia de corpo inteiro ou anestesia total. Um deles é o propofol, administrado através de um cateter colocado numa veia. Os outros dois são o sevoflurano e o desflurano, administrados através da respiração.

Sabemos que estes dois medicamentos são gases com efeito de estufa, ou seja, após o seu uso são eliminados para a atmosfera, contribuindo assim para a poluição ambiental. Isto, obviamente, apenas ocorre se, e quando, os sistemas de captura destes gases não estiverem a ser utilizados, pois ainda não são de uso obrigatório nas instituições de saúde.

O propofol também não é inócuo para o ambiente, já que contribui para o aumento de consumíveis que contêm plástico (seringas por exemplo), e polui os cursos de água, quando indevidamente descartado ou ao ser eliminado na urina dos doentes.

Assim, como qualquer outra actividade humana, a anestesiologia afecta o ambiente. Ora, o tema da sustentabilidade ambiental é e nunca poderá deixar de ser uma preocupação dominante da comunidade anestésica, que assume como um seu dever ético tratar tão bem os doentes como o nosso planeta.

A busca permanente do equilíbrio social torna necessário actualizar e impor novos instrumentos legislativos visando o impulso da mudança e a adopção de orientações conciliadoras da acção humana. Parece ser nesse sentido que está neste momento a ser discutida a proposta de se banir radicalmente da utilização médica um destes gases anestésicos.

Não é ainda suficientemente conhecido o efeito desta medida, quer para o ambiente, quer para os doentes que precisam de ser anestesiados. O que sabemos é que aos anestesiologistas será retirada a liberdade de poderem escolher a melhor anestesia para o seu doente, a mais segura e cientificamente indicada.

Vingando a medida regulamentar, ficarão estes médicos limitados na escolha do medicamento a utilizar, não por motivos clínicos, mas meramente ambientais. Estão de uma forma precipitada a tentar englobar indistintamente na regulamentação geral destes gases um tipo específico que, afinal, é um medicamento seguro e eficaz. Interessante é verificar que todos estes gases sob aquela regulamentação continuam a poder ser irrestritamente usados em meio militar.

O ideal será que a noção de segurança se estenda também aos “campos de batalha” diários dos blocos operatórios, onde anestesiologistas possam sempre optar, à luz da melhor evidência científica, pelo melhor medicamento para curar o seu doente e planeta.

Deixa-se aqui um apelo a quem tem força de voz parlamentar para que se esforce por uma decisão equilibrada sobre a inexorável necessidade de compatibilização do uso do medicamento, sempre que indicado, com o respeito pelas exigências ecológicas. Bastará para tanto obrigar a utilização do sistema de captura de gases.

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