Longevidade saudável

Em vez de tentarmos tratar cada doença crónica isoladamente, não seria mais eficaz impedir ou atrasar os processos biológicos do envelhecimento?

Vivemos mais tempo mas temos mais doenças no fim da vida. Será possível aumentar a longevidade mas não chegar a sofrer de doenças crónicas? Como é que a comunidade científica tem dado resposta a esta pergunta?

A longevidade tem aumentado em todo o mundo. Em média, e em números redondos, as pessoas vivem mais 20 anos do que há 50 anos e, em Portugal, a esperança de vida à nascença é de 80,7 anos (dados de 2019-2021). Este fenómeno de envelhecimento da população pode ser visto como o resultado do sucesso das políticas públicas de saúde (medicina preventiva, antibióticos, alimentação, etc). Mas apesar de estarmos a viver mais tempo (maior longevidade), o número de anos de vida com saúde e sem limitações (anos de vida saudável) corresponde apenas a uma parte da nossa vida. Por exemplo, prevê-se que uma mulher nascida em Portugal em 2020 venha a passar mais de 20 anos de vida com limitações resultantes de doenças crónicas, limitando enormemente a qualidade de vida, e que cerca de metade das pessoas com mais de 65 anos sofra de duas ou mais dessas doenças crónicas.

O envelhecimento é assim o maior fator de risco de aparecimento de diversas doenças crónicas (neurodegenerativas, cardiovasculares, osteoarticulares, cancro, diabetes...), perda de visão e audição e incapacidade.

Sendo o processo de envelhecimento o maior fator de risco dessas doenças crónicas, então coloca-se a hipótese de estratégias que consigam adiar o processo envelhecimento possam impedir que as doenças crónicas cheguem a manifestar-se. Assim, em vez de tentarmos tratar cada doença crónica isoladamente, não seria mais eficaz impedir ou atrasar os processos biológicos do envelhecimento? A investigação científica desenvolvida nos principais centros de investigação da área biomédica, espalhados pelo mundo, incluindo no CNC - Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, têm contribuído para dar resposta a esta questão produzindo conhecimento sobre os processos ou mecanismos de funcionamento das células e órgãos durante o envelhecimento e nas doenças crónicas associadas.

Vejamos dois exemplos dessas marcas de envelhecimento: mau funcionamento da autofagia e senescência celular. A autofagia é o processo de “limpeza ou reciclagem” da célula que tem a função de eliminar ou limpar restos de proteínas e de estruturas do seu interior: Numa célula envelhecida a autofagia não funciona de forma eficaz, levando à acumulação de “lixo” (agregados proteicos) e a célula deixa de funcionar adequadamente. A disfunção da autofagia também ocorre nas doenças neurodegenerativas e noutras doenças associadas à idade.

A senescência das células é outro marcador de envelhecimento que tem entusiasmado a comunidade de cientistas. As células senescentes podem ser descritas como células “zombies” – estas perdem a capacidade de divisão e lançam substâncias nocivas para outras células que estão à sua volta, “espalhando” assim o envelhecimento. Estão a decorrer ensaios clínicos para doenças crónicas com ativadores da autofagia e com senolíticos. Estes são apenas dois exemplos de possíveis intervenções que podem vir a ser usadas no futuro para desacelerar ou parar o envelhecimento e aumentar a longevidade.

É importante referir que a longevidade de cada pessoa depende em cerca de 25 % dos seus fatores genéticos e 75 % de fatores externos. Assim, a fórmula para uma longevidade saudável deverá ser adaptada a cada pessoa, e incluirá um estilo de vida saudável (alimentação saudável, a prática de exercício físico, a qualidade do sono), interação social, cuidados de saúde adequados e algum tipo de intervenção resultante do conhecimento gerado pela investigação científica.

Este é assim um momento vibrante nesta área científica e médica para descoberta da longevidade saudável, mas esperemos que não deixe ninguém para trás.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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