A morte chamada eutanásia

Nos últimos tempos, discutem-se muitas formas de morrer e poucas de viver. E quase nenhumas para sobreviver.

No PÚBLICO saiu um artigo, recentemente, onde se sublinha que apenas pode ser “eutanasiada” a pessoa que não reúna condições físicas para auto-administrar a droga que a conduz à morte. Ou então, que seja atestada essa incapacidade. Por quem? Coloca-se a questão. Pelos mesmos médicos que não existem e que deveriam tratar pessoas? Ou anestesistas que tiveram que fazer um novo juramento de Hipócrates que os habilita a “condenar”? Temos de tudo.

Temos um sistema de saúde a pedir intervenção médica. Temos médicos caridosos a ajudar e a salvar pessoas. Temos poucos meios. Temos poucas horas. Temos assessores para quem se abrem lugares de quadro antes do presidente de hospital sair. Enfim, temos de tudo. Até temos – agora – muitas formas de morrer. É tempo de tomarmos consciência do que está a acontecer no sistema de saúde, digno de eutanásia. As esperas intermináveis.

Os jovens médicos sem saída e possibilidade de carreira. A literacia cada vez mais caduca. Os médicos internos cansados e a viver programas recorrentes de burnout, outros focados nos seus consultórios, o garante do seu ganha-pão, focando-se aí, já que o sistema pouco ou nada investe neles e (quase) os mata de trabalho.

O Serviço Nacional de Saúde deveria ser sujeito a uma eutanásia e nascer um outro, diria (quase) perfeito, em que o Estado apenas seria co-financiador, mantendo a sua função de regulador. Caberia aos privados, em unidades públicas de gestão Parceria Público-Privado (PPP) prestar cuidados de saúde com recurso a médicos de múltipla especialidade, permitindo às pessoas o acesso de forma universal e indiferenciada, como no modelo francês. Pagamos? Escolhemos. Enquanto se vive este colapso, os políticos discutem para trás e para a frente a eutanásia, que é, neste momento, uma causa feroz de sofrimento.

Será que alguém já perguntou a doentes que sofrem e sem acesso a cuidados paliativos – não existem médicos para cuidar deles até à morte – se querem passar por esse sofrimento? Será que não compreendem estes autores de vendo legis – leis propaganda – que as pessoas querem ter dignidade na forma como são tratadas, alimentadas e amadas até à única forma de morrer? Que é uma morte natural? Seja de doença cardiovascular ou de outra qualquer? Temos muitas à escolha: do cancro — e eles dividem-se em quantidades diversas e famílias adversas —, às tromboses, acidentes, ou overdoses. Mas não nos oferecem modelos alternativos para viver.

A forma como se promove saúde mais não é do que um mundo de pseudoteorias vazias de conteúdos para português ver. Se queremos promover a literacia em saúde, aumentando o conhecimento das pessoas em torno dos programas de comunicação em saúde, devemos focar-nos nisso: na promoção da saúde e não na promoção da doença. O ministério deveria chamar-se da doença. Que é isso que faz. Mas não é isso que acontece.

Nos últimos tempos, discutem-se muitas formas de morrer e poucas de viver. E quase nenhumas para sobreviver. As pessoas não querem morrer, querem ter o direito à saúde até ao dia da sua morte. Querem ter o direito de ser tratadas, com humanismo, com a sua família ou mesmo no hospital, ou em cuidados hospitalares ou paliativos, com dignidade. A família de prestadores de cuidados médicos, em primeiro lugar, e de enfermagem, em segundo, são a verdadeira família que sabe cuidar das pessoas, aliviando-os do medo e da dor gritante que sentem por ter dor física.

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