O rei D. Carlos matou os últimos mas Portugal quer voltar a ter quebra-ossos

Com a ajuda da Fundación para la Conservación del Quebrantahuesos, Portugal vai criar condições para acolher os quebra-ossos. Parque Natural do Douro Internacional poderá ser o local escolhido.

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Os quebra-ossos estão extintos em Portugal devido à perseguição exaustiva dos humanos Education Images/Universal Images Group via Getty Images

Os abutres-quebra-ossos (Gypaetus barbatus), uma imponente ave e o único animal do mundo que se alimenta à base da proteína presente nos ossos, nidificaram pela última vez nos céus portugueses no século XIX. É uma espécie em vias de extinção na Europa, onde alguns países estão a fazer grandes esforços para a recuperar. É o caso de Espanha e Portugal quer seguir o seu exemplo. O Douro Internacional poderá ser o local escolhido para o tentar.

Trata-se de uma ave de grande porte, superior a todos os outros abutres que ocorrem em Portugal. Com uma envergadura de mais de dois metros e meio, alimenta-se principalmente de medula óssea. Uma das técnicas deste abutre – e a que deve o seu nome para partir os ossos dos animais de maior porte é deixá-los cair de uma grande altura em cima de rochedos ou bater os ossos com o bico nas pedras até conseguir que eles se partam.

Atraído pela sua imponência, o rei D. Carlos, como se pode ler nos manuscritos das crónicas dos reis de Portugal, abateu os dois últimos exemplares desta espécie em território lusitano em 1888, na região do Guadiana. Estes exemplares encontram-se no Museu de Zoologia da Universidade de Coimbra.

Antes disso, a ave foi registada de forma pontual e isolada na parte oriental do território nacional, nomeadamente em áreas fronteiriças da Beira Interior e do Nordeste de Trás-os-Montes.

Hoje, devido à perseguição exaustiva dos humanos, principalmente devido ao uso de venenos, e à redução da população de herbívoros selvagens nas montanhas, a espécie foi extinta em grande parte da sua área de distribuição na Europa – algo que se está a tentar inverter.

É por que isso que agora, 135 anos depois da sua extinção no país, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) tem acompanhado de perto o programa de recuperação de quebra-ossos de Espanha, de forma a recolher ideias para incrementar um projecto idêntico em Portugal.

Espanha iniciou o seu projecto de recuperação da espécie em 1980, passando de 30 casais reprodutores para 126 e conta actualmente com cerca de mil quebra-ossos no país, em cinco núcleos diferentes, encontrando-se 98% dos exemplares nos Pirenéus.

Com o ICNF como parceiro da Fundación para la Conservación del Quebrantahuesos, que coordena o projecto Life Quebrantahuesos, Portugal vai iniciar brevemente trabalhos de preparação para acolher esta espécie em território português.

“Trata-se de um projecto muito desafiante do ponto de vista da conservação e, por isso, entendemos que adquirir a experiência que os colegas espanhóis têm é fundamental. Vamos, nesta primeira fase, aprender com eles e, depois, vamos preparar-nos para o futuro, naquilo que é a gestão e a preparação do habitat para acolher a espécie dentro de um curto prazo de tempo”, explicou Sandra Sarmento, directora regional do Norte do ICNF.

No entanto, há um leque de ameaças associadas a esta espécie necrófaga, nomeadamente os vírus e as bactérias, a falta de alimento e a baixa diversidade genética.

Posto isto, as equipas do ICNF vão receber “formação teórica e prática sobre a ecologia e conservação da espécie”, naquela que é uma estratégia ibérica para proteger o quebra-ossos.

“Para já, tudo isto exige um esforço de formação e de conhecimento das equipas e, mais tarde, vamos também olhar para a componente social e para o envolvimento que a espécie tem, por exemplo, nas questões relacionadas com o sector da produção pecuária. Muitos criadores de gado ainda assumem que o quebra-ossos pode ser uma ameaça à produção”, explicou Sandra Sarmento.

Além disso, é importante relembrar que a conservação de uma espécie pode promover uma “importantíssima transformação do território e de toda a biodiversidade”, o que acaba por ser benéfico para os restantes ecossistemas.

De acordo com o livro Aves de Portugal, durante o século XIX, as chamadas “águias de barbas”, nome dado pelo rei D. Carlos aos quebra-ossos, habitavam “praticamente todos os maciços montanhosos da Península Ibérica”.

Tendo em conta que as regiões montanhosas são o seu habitat, tudo indica que o Parque Natural do Douro Internacional será o local escolhido para se iniciarem os trabalhos de recuperação da espécie, segundo o ICNF, já que se apresenta “com as condições favoráveis para a acolher a espécie”.

O Douro Internacional é considerado uma das áreas mais importantes de Portugal e até mesmo da Península Ibérica em termos de conservação de avifauna. Ali existem e se reproduzem uma grande diversidade de aves, muitas delas ameaçadas.

Além do ICNF, participam neste projecto outras entidades portuguesas, como a Associação Naturaleza y el Hombre (filial de uma fundação espanhola com o mesmo nome) e a Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural.

Portugal já colaborou com Espanha noutros projectos de reintrodução de espécies em vias de extinção, como foi o caso da águia-imperial ou do lince-ibérico. A recuperação do quebra-ossos poderá ser mais um passo na colaboração ibérica para a conservação da biodiversidade.

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