Em Berlim, há quem tenha “soluções criativas” para a crise da habitação. Este documentário é sobre elas

Balolas Carvalho realizou The Radicals, documentário que mostra soluções para a crise da habitação, e que se estreia no P3.

Poucos dias depois de ter visto, em Portugal, pessoas serem repreendidas por estarem sentadas ao ar livre, Balolas Carvalho aterrou em Berlim e deu de caras com um protesto de 15 mil pessoas. Era Abril de 2021, pandemia de covid-19, e o choque, mais do que o aglomerado de pessoas, era o “fenómeno social”: uma portuguesa não está habituada a ver mobilizações tão surpreendentes, diz. 

Em causa estava a decisão do Tribunal Constitucional relativa ao “rent cap”, uma imposição feita pelo governo estatal, que congelava o aumento das rendas: os novos contratos não poderiam ultrapassar o limite imposto; os já estavam em vigor teriam de ser reduzidos para esse mesmo limite. Mas o tribunal decidiu que essa imposição era ilegal e os berlinenses, com a “cultura brutal de protesto e auto-organização” que lhes é característica, saíram à rua.

Foi neste contexto que Balolas, jornalista que se mudava para a capital alemã para trabalhar como correspondente, aterrou. Antes de ir, disse a si própria que não iria para Berlim sem a certeza de que teria casa: “Tinha visitado a cidade em 2016 e lembrava-me que os meus amigos tinham grandes processos burocráticos. Andavam meses, ou mesmos anos, à procura de um quarto. Só que aconteceu um milagre: no dia em que comecei a procurar encontrei um quarto — e ao quarto dia de procura encontrei uma casa por 600 euros, só para mim, com internet e uma varandinha.” A sua chegada ficou assim “marcada pelo assunto da habitação” — e tudo isso a inspirou.

Pouco tempo depois, foi convidada pelo The Radicals, “uma plataforma de storytelling e de amplificação de vozes de activistas, que nasce da Guerilla Foundation, uma fundação de filantropos que querem ajudar organizações de activistas”, para realizar este documentário (com o mesmo nome) que “não é só sobre a crise da habitação e acesso aos espaços comuns da cidade”, mas também — e sobretudo — sobre soluções, sobre aqueles que não estão dispostos a conformar-se.

“Agrada-me muito esta ideia de podermos contagiar os outros com esta sensação criativa”, diz, referindo-se à criatividade de Andrea Mineo, que usou um nome alemão para conseguir arrendar um apartamento; da cooperativa de moradores Spreefeld, que é “um oásis verde no meio da brutalidade dos prédios”; da campanha de expropriação Deutsche Wohnen & Co. Enteignen; e da rede de projectos culturais Space of Urgency.

Todos estes são “grupos ou pessoas que fizeram algo para ultrapassar o problema”, num momento em que o Estado, que “deveria ter a obrigação de garantir que todos os cidadãos estão a ter uma vida digna”, não o está a fazer. “Estamos num período em que estamos mesmo a ser convidados a ser criativos e a sentarmo-nos a discutir possibilidades”, acredita a realizadora. “O colectivismo vai ter de ressurgir, vamos ter de nos aperceber que precisamos de coexistir em solidariedade e em partilha para podermos prosperar”, continua.

O documentário, que se estreia no P3, pode ser fonte de “inspiração e motivação”, espera. “Recuso que aceitemos ser engolidos por esta selvajaria. Não pode faltar habitação acessível. Que haja espaço para rendas luxuosas, para as rendas médias, mas tem de haver espaço na cidade para todas as pessoas”, defende. “Estamos a ser escravos dos mercados e a criar cidades fantasma.”