Governo francês sobrevive a moções de censura e aumento da idade da reforma entra em vigor

Dezanove deputados d’Os Republicanos votaram a favor numa das duas moções de censura debatidas nesta segunda-feira, o que ainda assim foi insuficiente. Oposição garante que os protestos vão continuar.

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Elisabeth Borne, primeira-ministra de França EPA/TERESA SUAREZ

Nenhuma das duas moções de censura que ameaçavam o Governo de França foi aprovada na Assembleia Nacional nas votações realizadas nesta segunda-feira. Como resultado, a proposta de reforma do sistema de pensões defendida pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, entra em vigor de imediato — incluindo o aumento da idade da reforma de 62 para 64 anos, um dos temas que mais protestos tem motivado nas ruas do país.

A única das duas moções em que parte da oposição apostava para forçar a queda do Governo francês e para travar a proposta de reforma — a que foi apresentada por um grupo de 20 deputados centristas conhecido como LIOT — teve 278 votos a favor, menos nove do que os 287 necessários.

A segunda moção, da iniciativa do partido de extrema-direita União Nacional, de Marine Le Pen, estava condenada à nascença e foi aprovada por apenas 94 deputados.

A principal incógnita estava no número de deputados d'Os Republicanos (centro-direita) que votaria a favor da moção do LIOT (sigla em francês para Liberais, Independentes, Ultramarinos e Territórios) e contra o sentido de voto do seu líder, Eric Ciotti.

No final, 19 deputados d'Os Republicanos aprovaram a moção de censura, votando ao lado da aliança de esquerda Nupes (composta pela França Insubmissa, Partido Socialista, Partido Comunista, Os Verdes e outras formações mais pequenas) e da União Nacional.

No final da votação, Ciotti não quis comentar o impacto que esses 19 votos favoráveis podem vir a ter no futuro do seu partido, salientando que os Republicanos "recusaram juntar-se ao caos inevitável que se seguiria à eventual aprovação de uma moção de censura".

"A moção não foi aprovada por uma grande maioria dos nossos deputados", disse ao Le Monde o líder do partido, cuja bancada é composta por 61 eleitos. "Houve debate e dúvidas na direita, como houve noutros grupos."

"Choque eléctrico"

Em sentido contrário, outro alto dirigente d'Os Republicanos, o vice-presidente do partido, Aurélien Pradié — um dos 19 que votaram a favor da moção de censura centrista —, disse que a votação desta segunda-feira é "um choque eléctrico considerável" para o Governo que o Presidente e a primeira-ministra "não podem ignorar".

"É evidente que o Governo tem hoje um problema de legitimidade, e o Presidente da República não pode ficar como um mero espectador desta situação", disse Pradié ao canal BFM-TV. "O Presidente da República devia retirar a proposta e voltar a juntar toda a gente à volta da mesa, para fazermos uma nova reforma do sistema de pensões", afirmou o deputado, para quem a proposta actual "está envenenada".

"Esta proposta tornou-se num empecilho na nossa vida democrática. Não poderemos reconstruir o diálogo social, político e democrático sem antes retirar da equação esta proposta."

À esquerda, a líder da bancada parlamentar da França Insubmissa, Mathilde Panot, afirmou que "nada está resolvido e tudo vai continuar", referindo-se aos protestos nas ruas das cidades francesas contra a proposta de aumento da idade da reforma.

"As centenas de milhares de pessoas que se manifestam todos os dias no país desde quinta-feira não vão parar porque esta moção de censura foi derrotada por nove votos", disse Panot, citada pelo jornal Le Monde.

No final da votação, Marine Le Pen quis marcar a diferença do seu partido em relação à esquerda, dizendo que não apoia protestos com cortes de estradas, apesar de também estar contra a proposta de reforma do sistema de pensões. Segundo a líder da União Nacional, Macron "devia tirar ilações do resultado" e convocar um referendo sobre a reforma.

"Não querem um referendo porque sabem que os franceses estão contra", disse Le Pen. "Isso significa que assumem governar contra o povo francês. E isso não pode durar indefinidamente."

Borne no Eliseu

A onda de protestos contra o aumento da idade da reforma de 62 para 64 anos — e outras mudanças propostas por Macron — começou na semana passada, quando a primeira-ministra francesa, Élisabeth Borne, anunciou que o seu Governo ia invocar o artigo 49.3 da Constituição do país, que permite a aprovação de um projecto de lei por decreto.

A proposta do Governo francês foi aprovada pelo Senado na semana passada, mas as dúvidas sobre a dimensão do apoio na Assembleia Nacional levou Macron e Borne a invocarem a Constituição, numa decisão muito criticada pelos partidos da oposição, principalmente à esquerda do partido presidencial, o Renascimento.

Após a confirmação de que as moções de censura não receberam o apoio necessário para a sua aprovação, o Palácio do Eliseu anunciou que Macron vai receber a primeira-ministra na manhã de terça-feira.

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