Acordar cedo no Inverno das galochas e do bolor

Lá fora chove, o céu está cinzento e relembro as galochas, quando ia a pé para a escola primária. Também chovia semanas a fio.

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Megafone: Acordar cedo no Inverno das galochas e do bolor Pexels

A mania de acordar antes de o Sol nascer deixa alguns azedados. O relógio biológico interior é teimoso, condiz com o que se passa lá fora.

Li no PÚBLICO: "Lá diz o ditado: 'Deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer.' E um estudo levado a cabo no Reino Unido vem confirmar isso mesmo, que quem fica acordado até tarde e tem dificuldade em levantar-se no dia seguinte tem mais propensão de morrer mais jovem do que quem se deita cedo." Bolas, pelo menos sei que é um hábito que me beneficia!

O acordar cedo é especial. E inicia-se o ritual do pequeno-almoço, em paz, silêncio na casa. O vapor do café invade a cozinha. Tempo de reflexão, definir objectivos para o dia, cuscar as redes sociais, fazer uma publicação matinal, ler os títulos das notícias do Google, responder a mensagens e ainda anotar ideias daquelas para fazer no Dia de São Nunca.

Lá fora chove, o céu está cinzento e relembro as galochas, quando ia a pé para a escola primária. Também chovia semanas a fio. Os pés todo o dia gélidos com a sensação de que se partiriam se lhes tocasse. Hoje, existem belos modelos para todos os gostos. Queria ter galochas com frases motivadoras, com elogios para os veraneantes, para as mentes da cor do céu de hoje. Galochas que dessem para escrever os meus alvos para não me esquecer deles. Com um botão de descongelamento de pés ou com um edredão de aquecimento dentro. Já não estávamos habitados a andar com guarda-chuva, é melhor não me esquecer dele.

À medida que a torrada vai desaparecendo e o estômago a deixa de reclamar, penso em ser grata pela chuva que restabelece caudais e nos tira da miséria. Os céus regam as hortas, não é fantástico? O frio deixa-nos as articulações com queixumes, o melhor é darmos abraços, estar perto de quem gostamos, ficar juntos para nos aquecermos. Finalmente veio a neve, a oportunidade para quem nunca a viu. Casacos e mais casacos lembram-me as chouriças que a minha avó colocava ao fumeiro. Acordar cedo também dá tempo para memórias…

Este tem sido um Inverno de bolor nas paredes, tectos, roupas, calçado. Procuramos produtos milagrosos, dicas na Internet, mezinhas da avó, arejamos a casa e até compramos plantas por recomendação. Tudo serve para nos livrar dos fungos tipo cogumelos, prejudiciais à saúde. E cogito sobre o bolor das almas perdidas, que impede que vejam a esperança. O bolor nos corações como começou, afinal? Pela inveja. Não nos contentamos com o que temos, não valorizamos o que possuímos. Não é um problema querer mais e melhor. O problema é quando somos trapaceiros e, sem esforço, ansiamos pelo que não nos pertence e é alheio. Mais gratos, reconhecendo o que temos, seremos mais felizes, acho que é um bom pensamento para hoje.

Já não uso galochas. Divertia-me a quebrar o gelo nas poças do caminho, o que me deixava os pés mais frios ainda.

E quase a terminar o meu momento sublime do dia, as ideias fluem como rios. Escrevo à mão numa folha aproveitada para não perder o treino. Escrever liberta qualquer bolor que estava cá dentro e que ambicionava apodrecer tudo à volta. O papel não se queixa, diz-me que lhe faço cócegas.

O meu tempo é para usar de forma produtiva, não quero o que é fútil, esquematizo o meu plano diário mental. Terminado o pequeno-almoço, respiro fundo, pouso a caneta e sigo o "despachamento" habitual.

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