Fazer do 8 de Março de 2023 um farol de esperança

A AR aprovou uma resolução recomendando ao Governo desenvolver esforços junto das instituições europeias e internacionais no sentido de promover o ingresso no ensino superior de refugiadas afegãs.

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Uma jovem aguarda na multidão pela distribuição de pão em Cabul, Afeganistão, em Janeiro de 2022 Ali Khara/Reuters

Em 1977, as Nações Unidas instituíram o Dia Internacional das Mulheres, que passou a ser comemorado anualmente a 8 de Março, uma celebração que diz respeito a mais de metade da população mundial. Salientar a importância desta data justifica-se não só pela sua abrangência numérica, mas também pelo que está em jogo para o futuro da Humanidade.

Estas efemérides são tanto mais significativas quanto sejam utilizadas para alertar para a questão essencial da igualdade de género, em termos de direitos e oportunidades, nos vários campos da vida em sociedade – educação, saúde, trabalho, só para citar alguns exemplos – mas também no plano da repartição das responsabilidades, no acesso a cargos de decisão e de funções de poder, na remuneração do trabalho ou no exercício da governação. Sem esquecer aquela zona cinzenta e, por vezes inconsciente, das atitudes, preconceitos e estereótipos, tantas vezes enraizados no inconsciente colectivo, que alimentam e perpetuam as discriminações de género.

Certo é que, no século XXI, a igualdade entre mulheres e homens está longe de ser uma realidade adquirida por esse mundo fora. Ao invés, este tem sido um combate árduo e continuado, feito de pequenas batalhas, vitórias e derrotas, avanços e recuos. Como em tudo o que toca a vida da humanidade, neste domínio aparenta não existirem conquistas definitivas, inabaláveis ou sequer irreversíveis, embora no cômputo geral da duração longa, o caminho pareça ser o de uma jornada com motivos para algum optimismo.

Mas no dia 8 de Março de 2023 é a voz das raparigas e das mulheres que devemos ouvir e escutar, sobretudo aquelas cujas vidas de luta e resistência em contextos de grande fragilidade, violência e conflito convocam aquele módico universal de humanidade que torna imperiosa a acção solidária.

Na semana passada, Shirin, uma afegã de Cabul que planeava fazer o exame para o internato de medicina no sábado seguinte, contava, com um semblante carregado, lívido de incredulidade e desalento, que acabara de saber que afinal as raparigas estavam proibidas de concorrer. A sua prima, Zahra, uma jovem um pouco mais nova que já tinha andado na universidade antes da interdição imposta pelo regime taliban no Afeganistão, manifestava a sua energia e determinação em prosseguir os estudos, contra ventos e marés, pedindo-nos ajuda para vir para Portugal, afiançando-nos o total apoio dos seus pais a esta opção.

Já Yasmine, uma senhora viúva, na Síria, onde para além da guerra civil que dura há 12 anos, a pobreza extrema atinge 90% da população, só pensa em como conseguir assegurar a educação das suas duas filhas.

Estas são, entre tantas outras, vozes que neste Dia Internacional das Mulheres importa convocar, pois, para além das palavras e das celebrações, urge agir, designadamente no plano do acesso à educação superior das raparigas e mulheres em situação de vulnerabilidade sistémica, devido a crises prolongadas ou a emergências humanitárias.

Há cerca de dez anos, o então Presidente Jorge Sampaio lançou um programa precursor de bolsas para estudantes sírios que, literalmente, salvou a vida a muitos jovens, proporcionando-lhes protecção, capacitando-os e dando-lhes um sólido horizonte de futuro. Exemplos disso, entre tantos outros, são Laila e Zulmira, duas raparigas sírias que foram bolseiras deste programa e, na última semana, concluíram os seus doutoramentos com excelência. Ficam marcadas na memória as suas expressões radiantes, o orgulho dos seus orientadores, familiares e amigos pelo caminho percorrido em conjunto nos últimos nove anos.

Também há dias, Yuliia e a Anastasiia, duas raparigas ucranianas refugiadas em Portugal que fazem parte de um programa de bolsas da Fundação Galp, salientavam o quanto terem retomado os estudos lhes permitira recuperar alguma normalidade e dar sentido às suas vidas, alimentando a esperança de um dia poderem contribuir utilmente para a reconstrução do seu país.

Todos estes testemunhos ilustram o profundo impacto da educação na vida destas raparigas e o seu incrível poder transformador. Nos percursos de vida destas jovens, marcados a ferro e fogo pela violência da guerra, dos conflitos ou de outras crises igualmente dramáticas, há sempre um antes e um depois, com o acesso à educação a balizar um ciclo, novo e único, na sua existência.

Portugal e as instituições de ensino superior portuguesas deram mais um sinal forte da sua determinação em promover o ensino superior em situações de emergência humanitária quando, no contexto da invasão da Ucrânia, acolheram e agilizaram a admissão dos estudantes fugidos da guerra que careciam de protecção internacional, incluindo em áreas de formação tradicionalmente menos óbvias como a medicina. Importa agora fazer deste caso, até agora isolado, um precedente e manter a fasquia ao mesmo nível para todas as pessoas em risco ou refugiadas.

A 10 de fevereiro de 2023, a Assembleia da República aprovou, em boa hora, uma resolução recomendando ao Governo português desenvolver esforços junto das instituições europeias e internacionais no sentido de promover o ingresso no ensino superior de refugiadas afegãs e designadamente em Portugal.

Que melhor forma de assinalar o 8 de Março de 2023 do que apoiar e dar corpo a esta recomendação por parte da comunidade académica, do sector privado e filantrópico e da sociedade civil no sentido da criação e implementação de um programa especial de acesso e integração na educação superior para jovens afegãs já para o ano lectivo de 2023-2024?

Façamos do dia 8 de Março de 2023, para as estudantes cujo acesso ao ensino superior está vedado por razões ideológicas e políticas, um farol de esperança.

Os nomes próprios das essoas referidas no texto foram alterados. A autora escreve em nome da Nexus 3.0 – Associação para a promoção da Educação, Ciência, Arte e Cultura em contextos de Fragilidade, Conflito e Violência (https://nexus3.pt).

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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