Para Moedas, Lisboa não tem lugar para migrantes pobres

Só “entra quem tem contrato”. E quem são esses?

O recenseamento da população em Portugal ocorrido em 2021 levaram alguns de nós, eu incluída, porta a porta. Uma Lisboa profundamente diferente da de 2011: onde havia casas, agora há alojamento local, hotéis, edifícios não classificados ou existentes então, os efeitos da pandemia numa freguesia, como Arroios, inundada por alojamentos não fiscalizados sem qualquer respeito nem pelas parcas regras municipais e absolutamente abandonados pelas entidades responsáveis pela garantia de habitação digna: o Estado, central ou local, e a sacrossanta Santa Casa da Misericórdia.

Não foi preciso andar mais do que uma rua ao lado da Junta de Freguesia de Arroios para encontrar prédios construídos e licenciados para um número de habitantes e adaptados irregularmente para a sobrelotação evidente: onde deveriam viver por exemplo 60 pessoas, facilmente se encontram 200 com divisões em contraplacado a "partir" uma fração em três ou quatro.

Numa só rua, ex-combatentes a viver com pensões de cerca de 200 euros em casas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, sozinhos e sem famílias, em casas podres, sem acesso para pessoas com deficiência, acamados sem auxílio, idosos presos em terceiros andares por não conseguirem descer escadas, portas que não se abriam porque – aí mesmo nos prédios da Santa Casa havia pessoas exploradas na prostituição.

No prédio em frente respondiam, mas pediam ajuda porque o SEF não dava resposta e, mais uma, vez iam para os campos em Odemira.

Ao lado, prédios reabilitados, vazios.

A quantidade de lojas com um armazém com colchões, onde vive a roda-viva dos trabalhadores que hoje estão e amanhã não, com o escritório de advogados ao lado, "especialista em imigração". Pensões que albergaram, pagas pelo Estado e em sobrelotação, requerentes de asilo que não falavam português, não sabiam de nenhuma pandemia, nem máscaras tinham, a viver em condições desumanas.

Seria de esperar que nada disto acontecesse – mas afinal era e é o Conselho Português para os Refugiados (CPR) que escolhe as pensões e lhes paga. Sabe o Ministério da Administração Interna, a Santa Casa, a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, o Alto Comissariado para as Migrações, a Presidência do Conselho de Ministros.

Em boa verdade, a Junta de Freguesia de Arroios, no seu anterior mandato, juntamente com a Proteção Civil Municipal e os Bombeiros Sapadores de Lisboa, tomaram as coisas nas suas mãos e bateu porta a porta, entregou medicamentos, alimentação ajustada à religião e encheu as caixas de correios dos jornais, dos ministérios, da Câmara Municipal de Lisboa, do CPR.

A resposta foi nula e o novo executivo da junta, a 15 de fevereiro – com a rua de Arroios ali ao lado diz que "não pode fazer nada". Em plena pandemia foi possível fazer folhetos em várias línguas, distribuir equipamentos de proteção e medicação, conhecer as pessoas e distribuir cabazes alimentares semanais que respeitam a dieta e a religião dos refugiados e requerentes de asilo, como o programa AURA (Apoio Urgente a Requerentes de Asilo). Mas agora o que movia o novo presidente da Assembleia de Freguesia de Arroios não era a resposta humanitária urgente – eram as faturas de todos os que responderam aos apelos de solidariedade e ofereceram sapatos, roupa, alimentação. Na verdade, a Assembleia de Freguesia de Arroios não fez um único donativo. O facto de haver pessoas a viver em condições subumanas não pareceu incomodar verdadeiramente ninguém com poder para mudar as coisas.

Até que um dia na rua Carlos Mardel há um incêndio e morrem pessoas. Mas não morreram as suficientes para o estado de alerta. De repente chegou à Mouraria. Não podemos deixar ninguém morrer no ex libris do turismo. Sobre isto, Carlos Moedas não aceita lições. Só afirma "entra quem tem contrato". E quem são esses?

Será mesmo um problema da lei, quando um bastonário da Ordem dos Advogados, perante um caso de exploração laboral, acorreu à defesa de proprietários de barracas de madeira?

Será um problema da lei ser o CPR a única entidade autorizada a gerir os processos de refugiados e requerentes de asilo e ninguém saber quanto recebem, quanto pagam e porque insistem em pagar a pensões sem o mínimo de condições?

Será um problema da lei que se continue a receber nómadas digitais e a perder o rasto a – apenas – cerca de 1500 requerentes de asilo, continuar a negar vistos a refugiados e a vender a cidade dourada a um presidente que é da família partidária que ganhou a freguesia com o maior número de nacionalidades – 92 – e onde existem problemas gravíssimos de habitação e sem-abrigo?

Aqui não há lições de moral – há um problema grave de direitos humanos, do conhecimento de todas as instituições. Quantos mais têm que morrer, ficar sem casa ou viver na rua?

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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