Mulheres com menos roupa — e com mais respeito

Como a proliferação de peças como a minissaia na Inglaterra ou a meia-arrastão e o tapa-seios no Carnaval está ligada, em aparente paradoxo, à segurança das mulheres

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Mulheres assumem a bateria e os próprios corpos no carnaval do Rio. @mulhermaravilhafotografias
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A meia-arrastão é tão presente quanto a lantejoula nas fantasias. @mulhermaravilhafotografias
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O bloco Calcinhas Bélicas, formado por mulheres, no Rio de Janeiro @mulhermaravilhafotografias
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Meia-arrastão e biquíni tomaram as ruas da cidade. @mulhermaravilhafotografias
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Alguns blocos e áreas do Rio foram mais acolhedores para as mulheres. @mulhermaravilhafotografias
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Homens apoiam as mulheres do Calcinhas Bélicas, no Rio de Janeiro. @mulhermaravilhafotografias

Quando me mudei do Brasil para a Inglaterra, para uma temporada de estudos, lembro que me chamou muita atenção o comprimento mínimo das minissaias britânicas. Mesmo para uma brasileira que havia vivido em uma metrópole como São Paulo, as peças surpreendiam. Despertou-me também curiosidade como as inglesas sentavam-se displicentemente nas cadeiras das bibliotecas da universidade, sem se importarem com alguma indiscrição. Mais surpreendente ainda para mim (além do fato de deixarem as pernas à mostra naquele frio!) era que os homens pareciam pouco notar – ou, se notavam, não se afetavam.

Mais de uma década se passou entre essa observação e o Carnaval que tomou as ruas do Brasil na semana passada. E me pareceu que a folia nas cidades brasileiras tem um efeito parecido às décadas de uso de minissaia no Reino Unido.

Estava em Lisboa, mas acompanhei a festa pela proliferação de imagens das ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo nas minhas redes sociais. Imbuídas do espírito momesco, amigas discretas no dia a dia vestiram o maiô e a meia arrastão (como chamamos a meia de rede), capricharam no glitter e seguiram atrás dos blocos, esse grupos um pouco ensaiados, um pouco espontâneos, que desfilam pelas ruas no Carnaval. Algumas decidiram experimentar os adesivos para tapar os seios. Uma opção minoritária em carnavais passados, tornou-se mais comum na primeira edição verdadeiramente pós-pandemia. Umas vestiram uma blusa de tela por cima — no mesmo conceito da meia arrastão, que é desnuda e veste ao mesmo tempo —, outras experimentaram a liberdade que os homens sempre tiveram sob o calor de 40 graus.

A quase total libertação dos peitos femininos virou assunto no canal feminino Universa, ligado a um dos maiores sites do Brasil. No vídeo, as mulheres contam como se sentiram com a experiência. Elas revelam que ficaram mais confortáveis em alguns contextos — blocos em áreas mais progressistas da cidade — que em outros.

Posso dizer que acompanhei a diminuição da roupa e a proliferação do glitter no Carnaval de rua nos últimos dez anos e, assim como nas bibliotecas de Oxford, percebi como o ambiente se tornou mais confortável para as mulheres ao longo desse processo. De lá para cá, muitas campanhas como #meuprimeiroassédio, #nãoénão, #meucorpominhasregras chamaram a atenção para atitudes antes cotidianas que hoje são vistas como agressão por um número crescente de pessoas. A adesão de um número maior de mulheres aos novos visuais — e a uma postura desafiadora das regras — ajudou a educar homens que costumavam ver nas roupas uma desculpa para a violência.

Para quem ainda acredita que o que se veste leva à violação, sugiro ver uma exposição que exibe o que vestiam centenas de vítimas no dia do crime. Do pijama da avó à minissaia, não há nada em comum entre as vítimas, a não ser estarem diante de um homem que as objetifica e as desrespeita brutalmente.

Ver os tapa-tetas cheios de glitter das brasileiras me fez, ainda, pensar na estudante Mahsa Amini, assassinada pelo regime iraniano por supostamente não cobrir todo o cabelo com o véu. Não cabe a mim decidir o que vestem as mulheres no Carnaval brasileiro — nas bibliotecas inglesas ou nas ruas de Teerão —, mas me parece que um mundo em que elas podem deixar de vestir algo sem serem assediadas, ameaçadas ou punidas é um mundo melhor do que aquele que se preocupa em controlar se um pedaço do seu cabelo ou pele está à mostra.

Pode parecer paradoxal mas, quanto menos roupas as mulheres forem obrigadas a vestir, mais seguras elas podem estar. Espero, também, que isso valha para todos os lugares do Brasil e dure para além da Quarta-Feira de Cinzas.


A autora escreve em português do Brasil

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