Milhares de professores no “enterro” da escola: “Continuamos de luto na luta”

Alguns milhares de profissionais da educação marcharam pelas ruas de Lisboa este sábado em mais uma manifestação pela defesa da escola pública.

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Ricardo Lopes

“Continuamos de luto na luta”: os profissionais da educação “enterraram”, simbolicamente, este sábado a escola pública de qualidade em frente à Assembleia da República, em Lisboa. Antes disso, marcharam desde o Palácio da Justiça, encheram a Rua Ferreira Borges, pararam em frente à residência oficial do primeiro-ministro, em São Bento, e vaiaram o Governo. “Está muito difícil, vim hoje para lutar por um lugar melhor para quem ainda está nas escolas”, explicava Pureza Silva, professora reformada de 70 anos, ainda a manifestação não ia a meio.

Pouco depois das 14h, professores, educadores, não docentes, crianças e os seus encarregados de educação saíram do Palácio da Justiça, ainda às centenas, que rapidamente se tornaram em milhares, com destino à Assembleia da República, onde viriam a desmobilizar pelas 19h, já com chuva intensa, num protesto organizado pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (Stop).

A “morte da educação”, uma figura humana vestida toda de preto, ia à frente do pelotão. Duas correntes de ferro, uma ao pescoço e a outra a arrastar pelo chão com a palavra “humanidade" escrita. "A luta continua, na escola e na rua", "Escola na rua, Governo a culpa é tua" ou o já conhecido "Não paramos" foram algumas das frases ouvidas ao longo da tarde.

Pureza Silva era docente de Português e de Francês. Apesar de aposentada acompanhou o protesto e pediu melhores condições para a filha, que seguiu as pisadas da mãe e escolheu o ensino como profissão, e para os colegas. “Não cheguei ao topo da carreira”, explica. Mas também não viu tempo de carreira trabalhado ser congelado, ao contrário de Ana Silva, a filha.

Traz um cartaz com dois cravos vermelhos e não é a primeira manifestação a que vai. É a quinta, diz. Professora de Matemática, acredita que “é preciso parar e perceber o problema e atacar esse problema”. “Peço uma escola pública de qualidade, que só tem vindo a piorar e, se assim continuar, vai continuar a piorar”, defende Ana Silva.

A docente acredita que, para isso, são precisos mais profissionais nas escolas, não apenas docentes, também auxiliares, psicólogos, terapeutas da fala, entre outros.

Ana Silva, 45 anos de idade e 23 de serviço, está no 4.º escalão de uma carreira de dez e continua a protestar porque “ninguém escuta”.

Lenços brancos

Também a educadora de infância em Setúbal, Sílvia Fernandes pede melhores condições, com a recuperação do tempo de serviço congelado (cerca de seis anos) como a principal reivindicação. À actual equipa do Ministério da Educação dá nota negativa, “abaixo de zero”, e acena-lhe com um lenço branco em pedido de demissão.

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josé sena goulão/lusa

E lenços brancos não faltaram durante a marcha, em diversas ocasiões saíram dos bolsos. Ao chegar a São Bento, já a tarde se anunciava longa, os manifestantes mostraram-nos na residência oficial do primeiro-ministro. E voltaram a fazê-lo em frente ao Parlamento, depois de entoarem A Portuguesa.

"Vergonha", gritaram em frente à residência do primeiro-ministro. "O primeiro-ministro fez uma entrevista em que disse que não se pode fazer a contagem integral do tempo de serviço porque isso custaria muitos milhões de euros todos os anos. Ele diz que não há dinheiro para quem trabalha na escola e não referiu uma única palavra ao pessoal não docente, tão importantes para a escola", disse André Pestana, líder do Stop, aos manifestantes, que reagiram com vaias ao governante.

"Temos de dizer ao primeiro-ministro que há dinheiro neste país, ele sabe. Há sempre milhões para tapar buracos de banqueiros", rematou.

Vigília a partir de hoje

Sílvia Fernandes critica o facto de ter estado “21 anos com o mesmo salário”. “Vinculei este ano”, explica ainda, e sabe que, à semelhança de muitos outros colegas, não vai chegar ao topo da carreira. Além da presença na manifestação, a educadora vai também passar duas noites na vigília que o Stop iniciou este sábado, finda a manifestação.

Quando ainda se contavam apenas algumas centenas de manifestantes, perto das 14h, encontramos Raquel Matias, “professora e mãe”, acompanhada pelo companheiro e duas filhas. “Viemos em família para pedir uma escola melhor, que forme cidadãos mais justos”, reiterou.

“Achei que as greves já não estavam a fazer sentido porque já estão a prejudicar os alunos e isso não é justo. Não podemos prejudicá-los”, sublinhou ainda.

Em defesa da escola pública e por melhores condições de trabalho e salariais, esta é a quarta manifestação promovida pelo Stop desde Dezembro, quando iniciou também uma greve por tempo indeterminado que ainda se mantém, para exigir melhores condições para todos os profissionais das escolas, como um aumento salarial de 120 euros. A greve está já sujeita a serviços mínimos.

Além de melhores condições de trabalho e salariais para os profissionais das escolas, o Stop reivindica a recuperação dos mais de seis anos de tempo de serviço dos professores e o fim das vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões da carreira.

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