Os incêndios rurais e a necessidade de habitação

A subida do custo da habitação espoletou todos os disparates, em matéria dos atropelos à sustentabilidade ecológica da paisagem,

Os incêndios rurais que têm aumentado progressivamente em Portugal, sobretudo desde a década de 80, mas, mais dramaticamente, na última década, mostram como as más decisões, em matéria de ordenamento do território, têm consequências de longo prazo e a sua reversão é difícil e tremendamente onerosa. Foi assim que a desamortização dos baldios promovida desde a Revolução Liberal, no séc. XIX e durante a I República e as políticas públicas desencadeadas pelo Estado Novo, encheram o país de pinhais bravos, primeiro e, mais tarde, de eucaliptais, com duas das espécies mais inflamáveis entre as que temos ao nosso dispor.

A escola de arquitectura paisagista portuguesa, tendo com Ribeiro Telles o seu principal divulgador, cedo alertou para a gravidade destas decisões, cujas repercussões estamos a viver, nomeadamente no que toca ao abandono do espaço rural, perda de vidas e despesas em combate a incêndios, com uma intensidade que agora lamentamos.

Do mesmo modo, antevê-se a continuação da catástrofe ampliada a partir dos anos 90, com o aumento da edificação em áreas impróprias. Estão neste caso os leitos de cheia, as zonas sensíveis do litoral, os solos que podem assegurar a nossa subsistência ou as matas que constituem reservas genéticas importantes e nos asseguram a água e a qualidade do ar de que precisamos e que as políticas públicas não relacionam com a falta de água que ocorre nos anos de seca.

Neste momento, a subida do custo da habitação espoletou todos os disparates, em matéria dos atropelos à sustentabilidade ecológica da paisagem: que tem que se desafectar áreas das Reservas Agrícola Nacional e Ecológica Nacional, a construção em lugares impossíveis, não só do litoral, mas agora também no interior; a continuação da figura dos projectos PIN… juntamente com a afirmação de que, a falta de habitação, tem origem na escassez de construção nova.

Acima de tudo tem de se garantir os incentivos à recuperação da edificação degradada existente, e não continuar a comprometer áreas sensíveis, necessárias ao funcionamento dos ecossistemas e com importância para a qualidade de vida de todos nós.

A tarefa de reverter a degradação da paisagem resultante de décadas de más decisões é imensa e muitas vezes impossível.

No que respeita aos incêndios rurais, embora o Governo já tenha encetado medidas que vão no bom sentido, como o Programa de Transformação da Paisagem, este ainda não produziu alterações visíveis no terreno. Com a agravante de não estar claro se as propostas definidas nos PRGP (Planos de Recuperação e Gestão da Paisagem) orientam o desenho das AIGP (Áreas de Intervenção e Gestão da Paisagem) e OIGP (Operações de Intervenção e Gestão da Paisagem), na natureza das soluções preconizadas. De facto, o financiamento pelo Plano de Recuperação e Resiliência é dado através das AIGP, cujo plano pode não se compatibilizar com os PRGP.

Quanto ao plano a adoptar nessa transformação da paisagem, o Projecto Scapefire, projeto de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT- PCIF/MOS/0046/2017) e elaborado no Instituto Superior de Agronomia, na unidade de investigação Linking landscape, Environment, Agriculture and Food (LEAF), entre 2019 e 2023, teve por objetivo propor um modelo de ordenamento da paisagem rural que contribua para a prevenção dos incêndios rurais, atendendo também à sustentabilidade ecológica, económica e social da paisagem.

Os resultados deste projecto serão apresentados, na conferência Scapefire: mudar para prevenir, no dia 27 de Fevereiro, no auditório da Lagoa Branca, do Instituto Superior de Agronomia, no final da qual haverá um momento de dedicação do projecto ao Prof. Ribeiro Telles, no ano do centenário do seu nascimento. Esta dedicação tem toda a justificação precisamente pelas ideias e princípios por ele divulgados que coincidem com os que são incorporados no Projecto Scapefire.

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