Já há 370 ursos-pardos em Espanha. Como se recuperou este animal quase extinto?

Alvo da caça furtiva e da destruição de habitat, os ursos-pardos ficaram reduzidos a cerca de 50 indivíduos no norte de Espanha. Hoje, são 370, mas estão ameaçados pelas alterações climáticas.

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Alterações climáticas podem levar a que o urso-pardo tenha menos alimentos disponíveis Janko Ferlic/Pexels

Não há muito tempo, o urso-pardo estava quase extinto em Espanha. Embora fosse uma espécie protegida, caçadores furtivos e a destruição de habitat quase a condenaram ao fim e, na década de 1980, apenas 50 a 80 ursos-pardos restavam nas montanhas Cantábricas, divididos em duas populações isoladas.

Entretanto, o número de ursos-pardos multiplicou-se. Actualmente, a Cordilheira Cantábrica, entre a Galiza e o País Basco, é a casa de 370 indivíduos – 210 machos e 160 fêmeas –, segundo os dados mais recentes. O último censo, divulgado no início do mês pelo Ministério do Ambiente de Espanha, das regiões autónomas da Galiza, Castela e Leão, Astúrias e Cantábria e pelo Instituto de Investigação em Recursos Cinegéticos espanhol, revela que o número de animais é superior às estimativas anteriores, pelo que a população está finalmente a consolidar-se.

Aliás, o lado oriental da cordilheira, onde o urso-pardo esteve mais perto da extinção nos anos 80 devido à invasão do seu habitat, por exemplo, para construir auto-estradas, teve o maior aumento, passando de 50 para 120 indivíduos. No passado, os ursos foram ainda caçados, abatidos ou envenenados ilegalmente, por serem considerados perigosos para as populações.

Na Península Ibérica, há ainda cerca de 70 ursos nos Pirenéus, a fronteira entre Espanha e França. Estes também estiveram perto da extinção e foi necessário reintroduzir animais de outras regiões por volta de 1996. Em Portugal, o último urso-pardo foi morto em 1843, no Gerês, mas um indivíduo foi avistado em 2019, a vaguear no Parque Natural de Montesinho.

O segredo para a recuperação

Apesar de já não estar numa situação crítica, a espécie ainda é considerada em perigo na Península Ibérica, pelo que trabalho pela protecção do urso-pardo ainda está a ser feito. Criada em 1992, a Fundação do Urso-Pardo (FOP, na sigla em espanhol) trabalha desde essa altura para a conservação e estudo da espécie. Nos anos 90, o trabalho da organização focava-se em combater a caça furtiva, mas o sucesso da recuperação do animal mudou-lhes o rumo: agora, o objectivo da FOP é melhorar o habitat deste animal e prepará-lo para as mudanças que se avizinham com a crise climática.

Citado pelo El País, Guillermo Palomero, presidente da FOP, recorda a altura em que os ursos eram frequentemente mortos às mãos de caçadores e destaca a importância das denúncias, do serviço de protecção da natureza da Guarda Civil espanhola e do seguimento dos casos, para que os responsáveis não ficassem impunes. “A caça furtiva acabou por cair e já não é socialmente aceite”, explica Guillermo Palomero.

Também a protecção das regiões onde vive o urso-pardo – em particular, a criação da rede europeia Natura 2000, que protege as áreas de maior valor ecológico – é aplaudida pelo presidente da organização, juntamente com o envolvimento local.

Agora que a população de urso-pardo na Cordilheira Cantábrica está estável, o objectivo da Fundação do Urso-Pardo e das entidades administrativas é a prevenção de riscos futuros: incidentes com humanos e as alterações climáticas.

Encontros com humanos podem aumentar

“Há mais ursos agora e haverá, de certeza, incidentes [com humanos]. Estamos a trabalhar para os minimizar”, diz Guillermo Palomero ao El País. Por exemplo, a pandemia levou mais pessoas ao campo, o que aumenta o risco de encontros com um urso. Contudo, o animal não é agressivo a não ser que se sinta ameaçado, pelo que que a fundação está a trabalhar na sensibilização para explicar como se deve agir em caso de encontro com os animais.

Por outro lado, também a ida dos ursos-pardos às cidades próximas é uma preocupação. “Temos de ter muito cuidado para que os ursos não se habituem a isso”, adverte o presidente da FOP, acrescentando que a habituação seria um perigo. Na região, já existe um protocolo, que é activado quando um urso visita uma população que se encontra no meio da natureza mais do que uma vez. A ideia é afugentar o animal sem lhe causar dano físico, usando foguetes e armas que disparam bolas de borracha, para o dissuadir.

Outra solução será reduzir o que os atrai, nomeadamente, alimentos facilmente acessíveis, como o lixo, explica Raquel Martinez. A investigadora do Parque Nacional de Jasper, no Canadá, é natural de Barcelona e acredita que, tal como aconteceu no país onde agora trabalha, os encontros com ursos em Espanha vão aumentar com o crescimento da população de animais. “É um animal que está a testar onde está o limite, até onde pode ir”, afirma.

O combate aos efeitos das alterações climáticas

Prevenir encontros com humanos não é a única forma de evitar que o futuro volte a ameaçar o lar do urso-pardo. À medida que o clima altera, a disponibilidade de alimentos para estes animais pode reduzir, com cenários a apontar para menos mirtilos e outros frutos e florestas de faia e carvalho atlântico dizimadas. Outras espécies não tão afectadas, como o castanheiro, podem vir a tornar-se numa componente essencial da dieta do urso-pardo.

Além disso, o facto de a biodiversidade não se guiar pelo calendário humano pode fazer com que a subida das temperaturas reduza o tempo de hibernação dos ursos. Quando há um Inverno mais quente, os ursos “entram em hibernação mais tarde e aparecem mais cedo”, pode ler-se na plataforma da Fundação do Urso-Pardo. Sendo que este aumento da actividade também se observa nos humanos – com mais pessoas a aproveitar o bom tempo ao ar livre –, é possível que o número de encontros também seja maior devido às alterações climáticas.

Para mitigar o problema, o projecto LIFE, que vai durar até 2025 com a coordenação da FOP e tem um financiamento de 2,5 milhões de euros (dos quais, a maioria são fundos da União Europeia), pretende plantar 150 mil árvores e arbustos nativos em 155 hectares. Além disso, cerca de 25 mil castanheiros nativos serão enxertados com variedades locais em mais 55 hectares, num processo que contribuirá para recuperar áreas de floresta degradadas e evitar que os animais fiquem sem alimento e se vejam obrigados a visitar as populações locais.

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