5000 quilómetros de Odessa a Lisboa a bordo de um Fiat 500

Há quase um ano, Anastasiia e o marido deixaram Odessa para rumar a Portugal. Pararam na Bulgária, perderam-se em Itália, sempre a bordo de um “pequeno Fiat 500”.

Foto
Anastasiia e o marido percorreram 5000 quilómetros para chegar a Portugal Nelson Garrido

Com o dinheiro contado e a bagagem limitada a umas peças de roupa e um computador, Anastasiia conseguiu fugir da Ucrânia com o marido, há quase um ano, num pequeno carro que lhes serviu de abrigo até chegarem a Portugal.

"Foi difícil sair do país e não podíamos levar nada connosco. Eu tinha apenas a roupa e o meu computador", contou à agência Lusa a web designer de 29 anos, que se preparava para um novo projecto profissional quando a Rússia invadiu a Ucrânia, a 24 de Fevereiro de 2022.

O marido, que trabalha na área do turismo, perdeu o emprego assim que começou a guerra. Para ele, a decisão de sair foi imediata. Anastasiia, que precisou de duas semanas para interiorizar a partida, recordou que "as pessoas fugiram do país e não havia emprego."

O casal ucraniano percorreu quase 5000 quilómetros num Fiat 500, onde dormiu várias noites durante a viagem entre Odessa e Lisboa, com uma paragem de 10 dias na Bulgária. "Quando a guerra começou fugimos do país. Foi uma longa história. Não havia gasolina. Não conseguíamos arranjar dinheiro, mas conseguimos sair do país com uma família com uma criança de sete meses. Estávamos todos juntos num pequeno Fiat 500", lembrou a ucraniana à Lusa.

Antes de atravessarem a Europa, conduziram até à Bulgária para deixar o casal que os acompanhava com um bebé: "Falamos inglês, é mais fácil encontrarmos outros sítios para onde ir, mas eles só falam ucraniano. Foi por isso que os levámos para a Bulgária primeiro, para depois decidirmos o que fazer a seguir, porque estávamos num grande choque. Não conseguíamos entender o que se estava a passar", relatou Anastasiia em entrevista à Lusa quase um ano depois dos acontecimentos.

Ainda que agora encare a viagem como uma aventura que a tornou capaz de lidar com novas situações, a ucraniana não esquece o escasso tempo para preparar o percurso; quando o casal se perdeu em Itália; e os "muitos dias" dormidos dentro do carro, que conseguiram manter com a ajuda do responsável da empresa em que Anastasiia trabalhava.

Por onde passavam, o carro era distinto pela cor, pela matrícula e pelo contraste entre a reduzida dimensão do veículo e a estatura do marido de Anastasiia, um ucraniano de Kharkiv com 2,04 metros de altura.

Após a opção por Portugal, que tinham visitado há quatro anos, a viagem foi feita passo a passo. "Não sabíamos o que fazer com o carro, porque viajar de carro é caro, mas, ao mesmo tempo, sentes que tens uma casa contigo onde quer que vás", explicou, sublinhando o contributo do antigo patrão, que financiou o combustível e algumas noites em hotel.

Quando chegou a Lisboa, Anastasiia "só queria dormir" num lugar quente. A primeira noite foi passada em instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), "num espaço grande, com muitas camas". Entraram em contacto com voluntários para conseguirem um local para ficarem até terem a documentação necessária. Logo surgiram propostas de ajuda, tentando perceber o perfil e as necessidades dos recém-chegados.

O casal ucraniano surpreendeu-se com a solidariedade encontrada em Portugal. Acabaram por aceitar a oferta de acolhimento de um casal de Porto Salvo, Oeiras, (Fernando e Susana) que hoje vêem como os pais portugueses.

"Ficámos com eles um mês e meio de graça, deram-nos tudo o que precisávamos. Ajudaram-nos também psicologicamente", disse Anastasiia, acrescentando que, graças a este casal, conseguiram alugar um apartamento e apetrechar a casa, em Algés. "Foram nossos fiadores", referiu à Lusa.

A casa estava vazia, mas, com a ajuda da nova família portuguesa, em dois dias conseguiram reunir o que precisavam. "Rezamos aos anjos e eles aparecem aqui", brincou Anastasiia, contando, com entusiasmo, as visitas de Fernando e Susana: "Um dia apareceram com uma máquina de café e disseram-nos que os portugueses têm o hábito de tomar café. Outro dia levaram uma torradeira e disseram que é importante ter uma torradeira numa casa [risos]."

A fluência no inglês permitiu ao marido de Anastasiia encontrar emprego na área do turismo, ao fim de um mês e meio. A ucraniana, por sua vez, passou o último ano a terminar o trabalho para a empresa, cujo CEO a ajudou a chegar de carro a Portugal, e dedicou o tempo livre a ajudar outros ucranianos a viajarem para solo nacional, incluindo a sogra. A web designer, de 29 anos, está a elaborar o portfólio para procurar novo emprego, dado que tenciona ficar, pelo menos, mais um ano em Portugal.

Sugerir correcção
Comentar