Dias de uma Universidade

As universidades podem não ser o motor da história, mas são, pela natureza da sua missão, importantes fatores de construção de um mundo mais desenvolvido, mais justo e mais sustentável.

Nos primeiros anos da década de 70 do século passado, o ensino superior português conheceu um dos mais significativos movimentos de transformação da sua história, com a criação de um conjunto de novas instituições que vieram reconfigurar o panorama universitário do nosso país. Inscrito no âmbito da reforma do ensino superior protagonizada pelo ministro José Veiga Simão, aquele ​ato materializava o projeto de correntes modernizadoras que se manifestavam no interior do Estado Novo, regime então objeto de cada vez maior contestação e com evidentes sinais de desagregação.

A Universidade do Minho, criada pelo Decreto-Lei n.º 402/73, de 11 de agosto, veio a iniciar formalmente a sua atividade no dia 17 de fevereiro de 1974, ocasião em que teve lugar a tomada de posse do seu primeiro reitor, Carlos Lloyd Braga, e se realizou a primeira reunião da comissão instaladora.

A criação da Universidade do Minho, juntamente com a das outras chamadas “universidades novas”, decorreu da intenção de se promover a expansão e diversificação do ensino superior, em resposta à necessidade de “assegurar o desenvolvimento social e económico do país”, que tinha como condição, na perspetiva do legislador, a formação de quadros superiores (cientistas, técnicos e administradores) “dotados de capacidade crítica e inovadora”.

Pouco mais de dois meses após o início da atividade da Universidade do Minho ocorre a Revolução do 25 de Abril, que veio provocar profundas e perenes transformações na sociedade portuguesa, corporizando novas e antigas aspirações dos portugueses a terem o seu país comprometido com a democracia e o desenvolvimento.

Num cenário em que se confrontavam projetos radicalmente distintos para o nosso país, os primeiros anos da existência da Universidade foram inevitavelmente afetados por tensões e contradições e, até, por questionamentos sobre a pertinência da sua existência.

A Universidade teve, então, a felicidade de ter ao leme um conjunto de pessoas com uma visão de futuro para a instituição, para o país e para o papel da instituição no país, que lançaram as bases de um projeto que se veio a revelar mobilizador e com grande impacto na sociedade, na economia e na cultura.

Num documento intitulado Universidade do Minho: Que modelo de Universidade?, tornado público em fevereiro de 1976, a comissão instaladora apresentou um referencial para o desenvolvimento da Universidade que ainda hoje surpreende pela clareza, ousadia e modernidade das opções assumidas.

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Reitoria da Universidade do Minho João Silva

A valorização da dignidade da pessoa humana e da solidariedade como princípios estruturantes da comunidade, a identificação da crescente complexidade da sociedade, marcada pela emergência de “novas aspirações, atividades e necessidades, bem como de novos problemas”, e o reconhecimento do acelerado desenvolvimento da ciência e da técnica, “o motor mais potente do crescimento económico”, requeriam, na proposta dos fundadores da UMinho:

- uma Universidade participante na sociedade e aberta ao envolvimento desta na vida da instituição;

- uma Universidade promotora do desenvolvimento social e geradora de soluções para os problemas emergentes;

- uma Universidade capaz de assegurar a qualificação de alto nível em distintas áreas de formação, através de uma oferta educativa diversificada, da promoção de uma formação inicial pluridisciplinar e da resposta a necessidades de contínua atualização dos conhecimentos;

- uma instituição orientada para a geração de conhecimentos novos e a sua aplicação, que devia, no entanto, admitir os riscos de o progresso científico e técnico “destruir a natureza” e “pôr diretamente em risco a humanidade”;

- uma estrutura organizacional “recetiva à inovação e maleável à mudança”, capaz de facilitar reorientações no ensino e na investigação;

- uma organização preparada para assegurar o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis.

Estas características assentavam num entendimento dos objetivos centrais da Universidade como sendo a geração e disseminação do conhecimento científico, a educação integral das pessoas (cultural, científica, técnica, cidadã) e a participação no desenvolvimento da sociedade.

Esta era, pois, a visão dos fundadores da Universidade do Minho. Uma visão inovadora e arrojada, que ao longo das décadas manteve a sua força inspiradora; uma visão desafiante, mas justa, porque fator do sucesso de um projeto académico e institucional. Uma visão, porém, que contrasta com outras que hoje vão fazendo o seu caminho no nosso país, pouco sensíveis à reflexão crítica sobre o presente e a uma verdadeira indagação do futuro que se pretende para o nosso ensino superior, antes acolhendo soluções apressadas cujos impactos não são adequadamente ponderados.

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Campus de Azurém (Guimarães) da UMinho Nelson Garrido

A segunda década do século XXI está a ser marcada pelas crises climática, económica, sanitária a que acrescem crises políticas com previsíveis mudanças na ordem mundial, os efeitos do regresso da guerra em grande escala à Europa, as múltiplas pressões sobre as democracias liberais, as aceleradas transformações na economia e na sociedade, impulsionadas por profundas mudanças tecnológicas.

Vivemos um tempo de convulsão, que coloca desafios de grande monta às universidades. As universidades podem não ser o motor da história, mas são, pela natureza da sua missão e dos seus objetivos, importantes fatores de construção de um mundo mais desenvolvido, mais justo, mais sustentável, de uma sociedade mais democrática, inclusiva e harmoniosa, de uma vida mais digna e mais decente para todos os nossos concidadãos. Por isso, vale a pena acreditar e apostar nas universidades.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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