União Europeia proíbe a caça com munições de chumbo em zonas húmidas

Todos os anos nos 27 Estados membros são depositadas 44 mil toneladas de chumbo no meio ambiente: 57% do tiro desportivo, 32% na caça e 11% na pesca.

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O chumbo nas munições de caça causa o envenenamento da vida selvagem, sobretudo das aves ADRIANO MIRANDA

O Regulamento CE 2021/57 que entra “finalmente em vigor” após terem sido dados dois anos aos países da União Europeia (UE) para prepararem a adopção de novas regras de caça a aplicar nos 27 Estados membros e ainda na Islândia, Noruega e Lichtenstein, torna “ilegal o uso de munições de chumbo em todas as zonas húmidas da UE, e nos 100 metros em seu redor” anuncia através de comunicado a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).

As zonas húmidas, que representam 11% da UE, incluem muitos habitats ricos em vida selvagem, incluindo estuários, deltas, rios, planícies aluviais, lagos, pântanos de água doce, turfeiras e zonas húmidas artificiais.

A dimensão do desastre ambiental provocado por este tipo de munição é descrita pela Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), autora do relatório que dá suporte à decisão comunitária: “Estima-se que na UE sejam lançadas, anualmente, cerca de 44.000 toneladas de chumbo no ambiente: 57% provenientes do tiro desportivo, 32% da caça e 11% das actividades de pesca”.

Acresce que o recurso às munições de chumbo “causa o envenenamento da vida selvagem, nomeadamente das aves” e coloca em risco a saúde das pessoas após o consumo da caça abatida ou na sequência da preparação em casa de munições, pesos para linhas de pesca e anzóis-iscas de chumbo.

“Se as emissões actuais de chumbo destas actividades continuarem, serão libertados para o ambiente cerca de 876 mil toneladas de chumbo nos próximos 20 anos”, alerta a ECHA que propôs uma restrição à utilização de chumbo na caça, no tiro desportivo e na pesca.

As medidas que entraram esta quarta-feira em vigor “podem reduzir” as emissões de chumbo em cerca de 630 mil toneladas ao longo de 20 anos após a sua introdução. Trata-se de uma redução de 72% em comparação com uma situação sem as restrições propostas, salienta a agência europeia.

Os caçadores terão de passar a usar munições de aço, bismuto ou outros metais não tóxicos, dentro ou a 100 metros de zonas húmidas, impedindo assim a morte na Europa de um milhão de aves aquáticas todos os anos. E estima-se que outros três milhões de animais venham a sofrer de problemas de saúde devido ao envenenamento por chumbo.

Dos que sobrevivem, “sabemos que o seu comportamento, resistência a doenças, mobilidade e capacidade de reprodução são afectados", salientam Gabriel Treu, Wiebke Drost e Frauke Stock num estudo que publicaram em 2019 sobre O Uso de Chumbo na Caça.

200 milhões de balas

Quando descrevem o impacto directo das munições de chumbo no meio ambiente, os números que apresentam são avassaladores. Estimam que estejam dispersos pelo continente europeu entre “600 a 700 milhões de cartuchos contendo balas de chumbo”, que equivalem a um volume que pode chegar às 21.000 toneladas deste metal pesado.

Cerca de “200 milhões de balas” são usadas anualmente na Europa para caça “e só parte é que mata instantaneamente os animais”. De algumas das espécies de animais mortos, como veados, as vísceras são deixadas no meio ambiente.

As consequências reflectem-se no envenenamento a que estão sujeitas as aves após a ingestão das pequenas esferas de chumbo que compõem as munições de caça. A disseminação destes efeitos “é comum entre aves selvagens e aves de caça terrestre, especialmente aquelas com moela musculosa que comem cascalho para ajudar a moer seus alimentos, deglutindo, em simultâneo, restos de munições”.

Este quadro estende-se às aves de rapina e aves necrófagas que se alimentam de espécies abatidas por pessoas, ou dos seus restos deixados na natureza. As aves aquáticas como cisnes, flamingos, patos e gansos confundem as minúsculas esferas de chumbo com areia ou sementes.

Degradação do chumbo no ambiente

A deposição do chumbo no solo ou na água conduzirá inevitavelmente à sua degradação através de um “processo de erosão e reacção química e compostos de chumbo com diferentes solubilidades que se vão formando” observam os investigadores, explicando que a “degradação da bala de chumbo é lenta, provavelmente levando dezenas a centenas de anos”. Assim, o “legado histórico” que resulta de um tiro de espingarda permanece disponível para a vida selvagem e também na alimentação humana.

Com a nova legislação, “esperamos que Portugal garanta que a proibição no uso das munições de chumbo seja efectivamente implementada” espera Domingos Leitão, director executivo da SPEA, explicando que em Portugal, “apenas era proibida a sua utilização na caça em zonas húmidas, e dentro de uma lista limitada de áreas protegidas”. Mesmo assim, a aplicação e fiscalização desta norma “esteve sempre envolta em dúvidas e dificuldades”.

A SPEA assinala que o regulamento comunitário que agora entra em vigor alarga a proibição a todas as zonas húmidas, mas “infelizmente, a proibição não vai mais além”. Os projécteis de chumbo na caça e no tiro desportivo, bem como o uso de chumbo na pesca, “irão continuar a envenenar o ambiente” conclui a organização ambientalista.

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