Abusos sexuais na Igreja Católica — a verdade liberta

E agora? Era a pergunta que mais ecoava na sala no fim da apresentação do estudo. Agora, é responsabilizar, civil e canonicamente, os abusadores.

Como cristão católico, quero manifestar, antes de mais, o meu reconhecimento e gratidão à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) pela coragem demonstrada em entregar a uma comissão independente o estudo dos abusos sexuais nas dioceses de Portugal entre os anos de 1950 e 2022. Reconheço que não deverá ter sido uma decisão fácil e ainda mais dolorosa terá sido a leitura dos resultados e dos depoimentos das vítimas, mas maior tem sido o sofrimento das 512 vítimas cujos processos a comissão validou. Até agora, os bispos e todos os padres e cristãos leigos que os apoiaram estiveram a sofrer o sentimento de abandono de muitos outros que deveriam ter estado também vigilantes. Mas a seguir virá a hora da crucificação, quando muitos compreenderem o alcance das consequências do resultado do estudo. Os bispos sabem que, na perspetiva cristã, a verdadeira libertação passa, muitas vezes, pela cruz.

Quero também dirigir o meu enorme apreço a todos os membros da Comissão Independente (CI) e a todos os que a assessoraram, pela competência, total isenção e dedicação indescritível que colocaram na missão que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) lhes confiou. Enfatizo a dedicação porque, em tão pouco tempo, conseguiram apresentar tão significativos resultados. Como católico, mas também como cidadão português, o meu muito obrigado pelo contributo que deram para que a Igreja possa encontrar novos caminhos para a sua credibilização e, com certeza, fizeram com que outras instâncias portuguesas começassem a pensar que também é necessário darem “voz ao silêncio”, dado que este flagelo dos abusos também acontece noutros contextos como o desportivo, o escolar, etc… sendo o mais preocupante a família, por ser mais difícil fazer com que as vítimas falem.

E agora? Era a pergunta que mais ecoava na sala no fim da apresentação do estudo. Agora, é responsabilizar, civil e canonicamente, os abusadores. É certo que a maior parte dos crimes já prescreveu em termos judiciais, mas não em termos éticos. Até porque a dor que está cravada no mais íntimo de cada uma das vítimas, enquanto por cá andarem, nunca mais prescreverá. Poderá atenuar-se, pelo que a CEP deve, logo que possível e se as vítimas o permitirem, disponibilizar apoio psicológico e psiquiátrico, conforme a necessidade de cada caso. Segundo a CI, o que as vítimas, em larga medida, exigiram foi um pedido de perdão pelos atos hediondos de que foram vítimas.

Sabe-se que isso não sarará as ditas feridas, mas sempre é um gesto que poderá levar alguma, mesmo que pequeníssima paz, ao coração de quem exige esse pedido de perdão. A CEP saberá como o fazer de forma muito intencional e talvez com algum símbolo que fique para memória futura. A CI deu conta de que sugeriu, no relatório apresentado à CEP, a criação de outra comissão similar à que agora se extingue com a apresentação do estudo, da qual não faça parte nenhum elemento da atual, mas cuja composição deva, maioritariamente, contar com membros externos à Igreja Católica, e as comissões diocesanas passariam a ter mais um papel de prevenção e formação. Confesso que me agradou bastante esta proposta, pois dará mais confiança aos possíveis denunciantes. Quanto a possíveis indemnizações, há que ter muito cuidado no tratamento deste assunto. Segundo a CI, não foi exigência apresentada com maior acuidade e, por outro lado, deve considerar-se o que, de facto, poderá a indemnização reparar.

A Igreja Católica é uma das instituições, a nível mundial, com maior património ético. Por isso, tem responsabilidades acrescidas e é tão escrutinada. Mesmo assim, nós, católicos, muitas vezes não valorizamos este património. Aconteça o que acontecer, a partir de agora, em Portugal, virou-se uma página da história da sua Igreja. Ela sabe que já não pode silenciar sempre que estiver em causa o desrespeito pela dignidade humana, sobretudo dos mais frágeis, seja qual for a circunstância. Ela bem sabe que é bom conhecer a verdade, porque a verdade liberta.

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