Pode a masculinidade tóxica provocar acidentes na estrada? Sim, diz esta campanha

Campanha de sensibilização francesa sugere que o estereótipo de que os homens têm mais aptidão para conduzir os pode levar a comportamentos perigosos na estrada.

E se a masculinidade tóxica também determinasse a condução? É o que sugere uma campanha de sensibilização francesa para segurança rodoviária lançada esta quarta-feira.

O vídeo mostra vários pais durante o nascimento dos seus filhos. As imagens são acompanhadas de afirmações contrárias à ideia de virilidade: “Sê o homem que quiseres ser, mas sê um homem vivo”, pedem os pais aos recém-nascidos.

“Velocidade, álcool, drogas, cansaço… e se tivéssemos que acrescentar a masculinidade à lista de factores que favorecem a sinistralidade rodoviária? A questão é menos provocativa do que parece”, lê-se no site da campanha.

A campanha alerta para os “estereótipos, a começar pelos de masculinidade, que se reflectem ao volante”. Essas ideias preconcebidas perpetuam a ideia de que “os homens, ao contrário das mulheres, têm uma espécie de aptidão natural para a condução” — o que acaba por se concretizar em “excesso de velocidade, ultrapassagens perigosas ou na certeza de ‘aguentar o álcool’”.

Mas os números não mostram isso. Em França, 78% das pessoas que morrem em acidentes rodoviários são homens. Na faixa etária dos 18 aos 24 anos, 88% dos condutores mortos são homens; das pessoas suspeitas de provocarem acidentes fatais, 84% são homens; quanto aos condutores alcoolizados envolvidos em acidentes, 93% são homens.

Florence Guillaume, representante regional para a segurança rodoviária em França, disse, citada pelo Guardian, que a campanha não quer estigmatizar ou culpar os homens. Quer, pelo contrário, que as pessoas “examinem o seu comportamento”. “Não significa que todos os homens são maus condutores — isso não é verdade”, avisou. O objectivo da campanha, explicitou, é incentivar os homens a resistirem à pressão social. No vídeo, essa mesma ideia é sublinhada: “Não tens de seguir o que as pessoas esperam dos homens.”

O sociólogo Alan Mergier, que levou a cabo um estudo sobre a masculinidade e a condução disse, citado no mesmo texto, que é “intrigante” como há estereótipos que passam de pai para filho, como é a ideia de que “o carro é um objecto de masculinidade, identidade e virilidade”, e de que, através da condução, poderiam “defender a sua masculinidade”.

A ideia de que os homens estão, por natureza, mais familiarizados com os carros e que, quase que instintivamente, sabem como os conduzir pode trazer excesso de confiança e, em última instância, colocá-los em situações perigosas. O sociólogo aponta também situações como a de uma ultrapassagem: há um instinto para competir quando outro carro ultrapassa, como se “a masculinidade tivesse de ser defendida, ou ficasse fragilizada”.

“O importante desta campanha é que não estigmatiza homens, mas sugere outra visão deles e da masculinidade, que não a do confronto e agressividade, mas da sensibilidade.”

Em Portugal, um relatório de 2019 ​ publicado pela Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária (ANSR), mostrou que das 675 pessoas que morreram em acidentes de carro no ano anterior, 536 eram homens, o que corresponde a 79%. O estudo, que se dividia em categorias — peões, passageiros e condutores —, mostrou que, em qualquer uma delas, o número de vítimas mortais era superior nos homens, sendo que entre os condutores esta diferença era mais expressiva: 392 eram homens e 43 mulheres.

O relatório constatou ainda que 69% dos intervenientes em acidentes rodoviários eram homens: "[Os homens] correm mais risco, são mais agressivos e como condutores atropelam com mais velocidade" e, por isso, "têm muitos mais acidentes mais graves", explicou, na altura, José Miguel Trigoso, presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP).

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