“Vegan”, “sustentável”: como identificar etiquetas enganosas no mundo da moda

Cuidado com as aparências! Comprar um produto feito com couro vegan, roupa da bambu natural ou com um algodão orgânico nem sempre significa que está a adquirir uma peça amiga do ambiente.

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Developing a discerning eye and taking time to research can help you get a better idea of what’s true — and what’s not — in the fashion world. MUST CREDIT: Washington Post photo by Carolyn Van Houten. Carolyn Van Houten/The Washington Post

Eco-friendly.” (“Amigo do ambiente.”) “Vegan.” “Orgânico.” “Ético.” “Sustentável.” Etiquetas com estas palavras tornaram-se omnipresentes em roupas, numa era em que os consumidores continuam a ficar cada vez mais preocupados com o impacto ambiental, climático e social significativo do sector da moda. Estas preocupações têm levado muitas marcas a correr para comunicar que também elas se preocupam com o planeta e as pessoas que o habitam.

Mas as proclamações e campanhas publicitárias podem, muitas vezes, resultar em greenwashing (marketing vendedor de uma imagem de preocupação ambiental que os factos raramente validam), ou, em alguns casos, clearwashing, quando a informação que é veiculada não diz grande coisa aos consumidores — e, portanto, não é suficiente para determinarem se o que estão a comprar é realmente melhor para o ambiente e para os trabalhadores da indústria do vestuário.

“O greenwashing é a ausência de dados significativos, mas também o ajuste de coisas e informações de uma maneira que parece incrível, mas sem provas apresentadas”, observa Cosette Joyner Martinez, professora associada do departamento de design, habitação e merchandising na Universidade do Oklahoma, nos Estados Unidos.

“O clearwashing é como: ‘Vamos dar-lhe a aparência de informações valiosas que, em última análise, não são significativas.’ [Uma marca] dá-nos a morada de um fornecedor na China sem dizer nada sobre o que acontece lá”, acrescenta.

Confusos perante informações incompletas ou imprecisas, muitos consumidores lutam para entender tudo, dizem os especialistas. “Os clientes são informados principalmente pelo marketing da empresa, e é aí que entra a confusão, conta Lynda Grose, professora de design de moda e estudos críticos no California College of the Arts, uma escola de artes privada. “Todas as empresas apresentam sempre a sua melhor face e são muito selectivas sobre aquilo com que escolhem ser ou não transparentes. Isso cria muita confusão junto do público.”

E muitas vezes é difícil avaliar se uma marca está a fazer alegações exageradas de propósito ou por engano, acrescenta Roland Geyer, professor na escola de ciência ambiental e gestão da Universidade da Califórnia. “Às vezes é difícil decidir se uma empresa ou pessoas dentro de uma organização estão activamente a tentar induzir em erro, ou se realmente são crentes e estão só a pregar para o auditório errado — ou, então, se só querem acreditar que é assim que conseguem fazer a diferença”, diz.

Mas desenvolver um olhar crítico e fazer algum trabalho de pesquisa pode ajudá-lo a ter uma ideia melhor do que é verdade (e do que não é) no mundo da moda. Aqui estão algumas formas comuns de greenwashing a ter em conta, bem como dicas de especialistas sobre como examinar marcas e as suas alegações.

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DEA / V. GIANNELLA / GettyImages

Chavões vagos

Retalhistas que descrevem o seu negócio ou os produtos que vendem usando palavras-chave que denunciem supostas preocupações ambientais ou sociais (palavras como “sustentável”) e que não providenciem provas ou explicações adicionais devem fazer soar os alarmes.

“Realmente não há nenhuma definição legal, ou consensual entre a indústria, sobre a sustentabilidade”, diz Katrina Caspelich, directora de marketing da Remake, organização global sem fins lucrativos que defende salários justos e justiça climática na indústria do vestuário. “Como resultado, as marcas estão a definir sustentabilidade com base nas suas próprias interpretações para justificar os salários, o crescimento e o lucro.”

Uma empresa pode manter uma elevada quantidade de emissões e fazer melhorias num único aspecto da sua cadeia de abastecimento e produção, como, por exemplo, diminuir a quantidade de água necessária para fazer as suas roupas, e depois aproveitar isso para classificar essas peças de vestuário "sustentáveis", dizem os especialistas.

Na realidade, porém, a sustentabilidade é muito mais complexa. O algodão, por exemplo, é considerado mais sustentável do que o poliéster, uma fibra sintética que é normalmente feita de petróleo, um recurso não renovável, e ligada a elevadas emissões de carbono e outros gases com efeito de estufa. Mas a sustentabilidade do algodão depende de vários factores, tais como a forma como foi cultivado e processado, ou se foram utilizados químicos poluentes ou prejudiciais para tratar as fibras, diz Joyner Martinez. Muitas vezes, observa ela, "nenhuma dessas informações será divulgada para que a [alegação] sustentável não seja colocada em causa".

Certificações e esforços para apoiar práticas mais sustentáveis podem sinalizar que as preocupações de uma empresa não são só conversa fiada, dizem os especialistas. A Global Organic Textile Standard (GOTS) ou a Organic Content Standard (OCS), por exemplo, são duas certificações orgânicas estabelecidas para vestuário. Algumas marcas também participam em organizações como a Better Cotton Initiative, uma organização sem fins lucrativos centrada na sustentabilidade do algodão.

A sustentabilidade global de uma peça de vestuário deve também ser determinada pela forma como é utilizada, particularmente quanto tempo pode ser mantida fora de um aterro, Joyner Martinez diz: "Quando falamos de consumo sustentável de vestuário, a principal conquista será a longevidade da peça de vestuário".

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Andrew Olifirenko/GettyImages

Esforços isolados

É comum que as marcas promovam campanhas ou mudanças nas suas operações que apelam aos consumidores conscientes. Mas a forma como as empresas tipicamente anunciam estes esforços "dá a impressão de que todos os seus processos são assim", quando na realidade é normalmente apenas "uma pequena parte" da operação, avisa Karen Leonas, professora de ciências têxteis no Wilson College of Textiles da Universidade Estatal da Carolina do Norte.

O lançamento de uma única linha ou colecção de roupa feita por trabalhadores do vestuário que recebem um salário digno ou que utilizam métodos de produção menos intensivos em recursos é um bom passo a dar, mas não é suficiente, sublinham os especialistas.

"Este não pode ser o único indicador de sustentabilidade da sua empresa", defende Alice Roberta Taylor, chefe de pessoal da Global Fashion Agenda sem fins lucrativos. "Só por fazer isso, não significa que a empresa seja sustentável".

Em vez disso, é importante avaliar os ganhos líquidos de uma empresa ou indústria, diz Grose: Será que as marcas no seu conjunto estão a reduzir as emissões de carbono e a utilização de água, bem como a pagar salários dignos? "Se permanecem resíduos incorporados no sistema actual a redução desse impacto apenas numa pequena percentagem não é suficiente para representar uma mudança", diz ela.

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Boris Zerwann/ GettyImages

Materiais 'Vegan',' 'naturais' ou 'orgânicos'

Os peritos também advertem contra a valorização de certos materiais e produtos apenas porque estão associados a uma linguagem que sinaliza a sustentabilidade. O couro vegan, por exemplo, é "uma das reivindicações mais associadas ao greenwashing", alerta Sonali Diddi, uma professora associada no departamento de design e merchandising da Colorado State University, que investiga a produção e consumo de vestuário sustentável.

Embora o couro vegan se tenha tornado uma alternativa popular ao couro tradicional, o nome é uma rebranding [um novo nome] para o "couro plissado", ou couro plástico, um material sintético, à base de combustíveis fósseis. Estes couros falsos são geralmente feitos de poliuretano ou cloreto de polivinil, também conhecido como PVC - ambos são tipos de plástico. (Algumas empresas estão a trabalhar em alternativas à base de plantas, mas esses produtos ainda não estão amplamente disponíveis).

"De um ponto de vista de sustentabilidade, definitivamente o couro vegan não é de todo sustentável", diz Diddi. Mas ao descrever o material como "vegan" - que é tecnicamente preciso, uma vez que não contém quaisquer produtos de origem animal - os consumidores podem pensar que estão a comprar vestuário que é amigo do ambiente. "Está a jogar com as emoções das pessoas e os seus valores para as levar a comprar algo que pode não ser fantástico", diz Joyner Martinez.

E tenha em mente que os materiais rotulados como "naturais" ou "orgânicos" nem sempre são mais sustentáveis. "Sim, o bambu é natural", esclarece Sonali Diddi. "As pessoas, no momento em que ouvem bambu, pensam: 'É bom, estou a ser um bom consumidor a comprar produtos de bambu'. Contudo, o bambu também é conhecido por ter uma das piores práticas de fabrico", que muitas vezes requer grandes quantidades de água e processamento químico.

Algumas investigações também demonstraram que o algodão orgânico produz menos rendimento do que o algodão convencional, apesar de utilizar a mesma quantidade de recursos, diz a investigadora, sublinhando: "Só porque é biológico, não significa que seja o melhor". E embora o material possa ser orgânico, acrescenta Sonali Diddi​, a empresa pode estar a utilizar mão-de-obra barata para fazer as roupas.

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Como olhar além do greenwashing

Quando já se tem uma ideia do que pode ser greenwashing, os peritos dizem que o passo seguinte é saber avaliar as marcas e as suas reivindicações.

"Temos de fazer o trabalho de casa", diz Mark Sumner, um professor que se concentra na sustentabilidade dentro da indústria têxtil, vestuário e moda na Escola de Design da Universidade de Leeds. "O trabalho de casa tem realmente a ver com tentar compreender quais as marcas que escolhemos para comprar e porquê, e depois pensar no que é que essas marcas realmente fazem".

Examine o website de uma marca. Veja se as marcas estão a falar de sustentabilidade de uma forma aberta e detalhada que seja fácil de compreender. Por exemplo, será que estão a partilhar aspectos específicos sobre como adquirem materiais, como estão a gerir questões na sua cadeia de produção e se fazem parte de acordos voluntários destinados a melhorar as suas práticas? "Se não estiverem a dizer nenhuma dessas coisas, a regra geral simples é que se assume que eles não estão a fazer nada", resume Mark Sumner.

Katrina Caspelich, directora de marketing da Remak,​ sugere também que se analisem as imagens que as marcas estão a utilizar juntamente com as suas reivindicações de sustentabilidade. As fotografias genéricas da natureza ou imagens de stock devem funcionar como avisos, bandeiras vermelhas.

Procure provas de acção. Se quiser ter mais certeza de que uma marca não é apenas conversa fiada, Sumner recomenda a procura de relatórios de sustentabilidade - particularmente aqueles que são auditados ou avaliados por terceiros.

As avaliações independentes das marcas podem ser outro recurso útil. Um relatório de responsabilidade de 2021 da Remake pontua dezenas de empresas de moda em questões-chave como justiça ambiental e alterações climáticas, salários e bem-estar, e matérias-primas, entre outras.

Outros recursos que classificam e pontuam as marcas incluem Good On You, um website e uma aplicação, bem como relatórios anuais como o Ethical Fashion Guide da Baptist World Aid, uma organização de caridade cristã com sede na Austrália, e o Fashion Revolution's Fashion Transparency Index.

Verifique as certificações. Provavelmente também pode estar mais confiante numa marca ou produto se tiver certificações credíveis de terceiros, dizem os especialistas. As marcas a procurar incluem Fairtrade, Oeko-Tex ou Bluesign, entre outros "selos" de garantia. O Ecolabel Index, um directório global de rótulos, pode ser uma ferramenta de investigação útil para compreender melhor o significado das diferentes certificações.

Faça perguntas e confie no seu instinto. Em caso de dúvida, deve contactar a marca com perguntas, sugere Katrina Caspelich. Karen Leonas remata. "Se soa demasiado bom para ser verdade ou se é uma afirmação muito abrangente, então é muito provável que seja greenwashing."