Fale com a Ana

A Ana é uma das muitas bots com nome de gente que me levam por um labirinto de números e menus que cedo me faz sentir perdida no mapa ou a navegar em círculos, sem ter a quem perguntar o caminho.

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É esta a sugestão que fazem na linha de atendimento ao cliente, para a qual não há escapatória (uma das muitas sugestões “amigáveis” a que tenho de me resignar). Pode parecer que a Ana é a funcionária prestável, de sorriso nos lábios, que recebe os clientes, lhes serve um café, ouve as lamúrias e tudo resolve com cândida compreensão, mas é só mais um chatbot nascido do baby boom da inteligência artificial que não consegue informar-me do paradeiro da minha encomenda.

A Ana é uma das muitas bots com nome de gente que me levam por um labirinto de números e menus que cedo me faz sentir perdida no mapa ou a navegar em círculos, sem ter a quem perguntar o caminho. Quando peço à Ana para falar com um operador, queixa-se de falta de clareza e pede que especifique ou diz não compreender. O resultado destes duelos verbais é inevitavelmente uma de nós desligar a chamada, com estupefacção ou fúria do meu lado, e um desespero crescente.

Mas, neste diálogo de surdos, de nada adianta ceder à indignação ou ameaçar violência, até porque a Ana não perde a compostura e certamente não se deixa abalar por reclamações e reviews negativas. Continuará o seu dia sem agravo e sem perder comissões com o desagrado dos clientes.

Se o objectivo é deixar o freguês desnorteado e desvairado, os implementadores destes assistentes virtuais terão à porta muitos desses cuja presença tentaram evitar, primeiro com as linhas de apoio telefónico e agora com um artificialismo que, apesar da palavra “inteligência”, que lhe agregam, ainda não a pariu. O que até aqui era um expediente útil, torna-se fonte de um novo ror de problemas, fruto da húbris tecnológica, que cede prontamente o lugar humano às máquinas, com os seus ouvidos moucos e qui pro quo que são material de comédia, mas que suscitam tudo menos o riso de quem tem um problema por resolver.

Nos sites, são os mesmos bots que me acolhem, remetendo-me para artigos de ajuda sem utilidade alguma. Às vezes, encontro formulários que com uma réstia de esperança preencho e envio para o vazio cibernético, que os engole sem eco. Quando, após esgotar todas as opções, me presto a responder ao sem-número de perguntas que o bot de sentinela dispara e chego ao acaso a um agente humano, não é desta que respiro de alívio: a diferença entre ele e o bot é nula. Mais uma vez, sou remetida para os procedimentos e políticas descritos nos ditos artigos de “ajuda”, mas ajuda, essa, não recebo nenhuma.

Depois de algumas experiências deste tipo, começo a duvidar da minha sanidade. Vejo-me personagem de uma distopia futurista que chegou de mansinho e me apanhou em ratoeira inaudita. Um pesadelo da vida real, onde reina a simpatia indecorosa dos auxiliares robóticos e um nonsense que um dia para uma de nós se revelará trágico, quando eu e a Ana nos cruzarmos numa viela escura do metaverso.

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