Um grupo de internos criou a SPACE para trazer os psicadélicos para a medicina em Portugal

Os jovens médicos transformaram tertúlias sobre terapia assistida por psicadélicos numa associação com 200 membros. O manual Psicadélicos e Saúde Mental será o próximo passo.

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Pedro Mota, Catarina Cunha, Mafalda Corvacho, Pedro Sousa Martins, Joana Miranda e Inês Carmo Figueiredo, os fundadores da SPACE dr

Pedro Mota não fala de psicadélicos e saúde mental sem antes dizer “terapia assistida por [inserir a substância em questão]”. Todas as vezes. E foram muitas, enquanto apresentava a SPACE, a associação científica que criou com outros internos de psiquiatria para promover o estudo e divulgação das propriedades e potenciais utilizações terapêuticas de substâncias psicadélicas.

“É pôr um foco tão grande ou até maior no processo psicoterapêutico e não só na substância”, explica o agora médico de psiquiatria, de 29 anos, a trabalhar no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa. “A psicoterapia assistida por psicadélicos é um acto médico. As pessoas desconhecem isto: acham que é só tomar e bastam os efeitos farmacológicos da molécula.”

Criada em Maio de 2021, a SPACE – Sociedade Portuguesa de Aplicação Clínica de Enteógenos deverá lançar nos próximos meses o manual científico Psicadélicos e Saúde Mental (editado pela Lidel).

O livro técnico, explica Pedro Mota, será um guia escrito a várias mãos e em português por profissionais de saúde envolvidos no uso clínico de diferentes psicadélicos, em contexto terapêutico. Será uma continuação do curso online com o mesmo nome lançado pela SPACE, com o patrocínio científico da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental.

“Percebe-se esta aceitação entre pessoal da psiquiatria que nós achávamos que até podiam ser mais conservadores. Há gerações que ficaram mais afectadas por um estigma, mas o estigma é trabalhado pela discussão e pela ciência que vai emergindo”, comenta.

Pedro Mota refere-se às gerações anteriores ao ressurgimento nas últimas duas décadas da investigação médica do potencial terapêutico de substâncias como psilocibina, LSD, MDMA, DMT/ayahuasca ou ketamina, especialmente em doenças psiquiátricas.

No entanto, o próprio grupo de seis jovens médicos que decidiram transformar as sessões informais onde apresentavam artigos científicos uns aos outros numa associação com 200 membros também fugiu da palavra “psicadélico”. Refugiram-se, antes, em “enteógenos”, uma aproximação com menos percepções alteradas — e gostaram da sigla perfeita SPACE. “[Mas] O correcto é mesmo psicadélicos, pela propriedade que têm, da manifestação da mente, que é o que é utilizado em termos clínicos”, diz.

Missão: mais estudos em Portugal

O grupo começou a encontrar-se quinzenalmente depois de uma apresentação do médico num congresso sobre a história da psiquiatria, sobre o que foi, “à data, o único ensaio clínico português que utilizou psilocibina [a substância psicoactiva dos chamados 'cogumelos mágicos']”, a tese de mestrado do psicanalista Emílio Salgueiro, feita nos anos 1960 na Faculdade de Medicina de Lisboa, durante o Estado Novo.

“Atendendo ao que estava a acontecer no contexto europeu, fazia sentido organizarmo-nos de outra forma”, diz o interno de psiquiatria. Convidaram psiquiatras e investigadores, constituíram um conselho científico com médicos e cientistas. Lançaram o curso introdutório, organizaram webinares e têm um blogue e um novo clube do livro. As Portas da Perceção, de Aldous Huxley (1954), vai ser o primeiro.

Ajudaram a escolher o psiquiatra alemão Gerhard Grü​nder, director da Mind Foundation, que falou sobre psicadélicos e tratamentos psiquiátricos na primeira sessão plenária no Congresso Nacional de Psiquiatria de 2022.

Enquanto associação científica, abstêm-se de falar do uso comercial e recreativo de drogas alucinogénias, embora mencionem nos estatutos da associação esforços de redução de danos, em parceria, por exemplo, com a Kosmicare.

“O que advogamos é um uso clínico de substâncias psicadélicas, vigiado e protocolado”, resume. Há uma grande percentagem de doentes que são resistentes às terapêuticas convencionais da depressão, que configuram os casos de depressão resistente ao tratamento para os quais tem sido estudada, por exemplo, a psilocibina.

Além da discussão entre colegas, a SPACE também quer chegar aos decisores políticos. Acreditam que Portugal tem um bom contexto para a terapia com psicadélicos, diz Pedro Mota, atrasada por impedimentos legislativos e financeiros e dependente maioritariamente de fundos privados. ​“A nossa missão é que, para já, comece a haver mais estudos em Portugal com psicadélicos, para pessoas que têm critérios para isso.”

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