É necessário criar planos municipais de gestão de infraestruturas!

Em paralelo com o que já é feito pela IP e pelos concessionários de autoestradas, é importante que os municípios implementem sistemas de gestão de pontes.

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Barcelos inventariou recentemente mais de uma centena de pontes, sem recurso a equipamentos especiais Rui Oliveira

A queda da ponte de Entre-os-Rios, em março de 2001, definiu para as principais autoridades um ponto de viragem na estratégia de manutenção e conservação das pontes em Portugal. Contudo, passados mais de 20 anos, as pontes sob domínio de boa parte dos 308 municípios ainda estão de fora daquela estratégia.

A 19 de novembro de 2018, a tragédia de Borba serviu de alerta para alteração da política de manutenção e conservação das infraestruturas municipais no seu todo, como por exemplo as estradas e as pontes no sentido mais geral (o que inclui também outras obras de arte integradas nas estradas tais como viadutos, passagens superiores, passagens inferiores, etc.). O Decreto-Lei n.º 100/2018 de 28 de novembro veio de seguida concretizar o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais no domínio das vias de comunicação, colocando mais pressão sobre a necessidade de gestão das infraestruturas municipais. Mas, de uma forma geral, com exceção da manutenção dos pavimentos das estradas, os municípios não têm competências de gestão deste tipo de infraestruturas. Alguns municípios têm acelerado este processo de forma autónoma, mas grande parte continua sem qualquer estratégia.

Em paralelo com o que já é feito pela Infraestruturas de Portugal (IP) e pelos concessionários de autoestradas, é importante que os municípios também implementem sistemas de gestão de pontes, de modo que possam inventariar e gerir as mesmas. Aqui “gerir” significa inspecionar periodicamente, priorizar os trabalhos de manutenção e conservação necessários, e cabimentar racionalmente no tempo os recursos financeiros.

É assim pertinente a definição de uma estratégia nacional que apoie os municípios enquanto entidades gestoras de pontes e que permita implementar uma cultura de gestão a nível local. Esta estratégia tem de ter em consideração a ausência de fundos financeiros vocacionados para este fim; as limitações financeiras e técnicas das autarquias, bem como a dimensão populacional e territorial das mesmas; e a inexistência de normas que regulem a gestão de pontes de modo que esta atividade seja sistemática, regular, uniformizada e que estabeleça requisitos de segurança e de conservação mínimos adequados à realidade municipal.

Para combater a carência de financiamento na gestão das infraestruturas, a Associação Nacional de Municípios Portugueses já sugeriu a criação de uma linha de crédito específica ou a afetação de uma percentagem do imposto sobre os produtos petrolíferos de modo a assegurar uma verba anual de manutenção. Mas há certamente outras formas de financiamento.

Perante a ausência de um documento regulador ou normativo, a IP teria um contributo importante em colaboração com os municípios, através da disponibilização da sua documentação técnica, como manuais de inventário, inspeção, diagnóstico e manutenção, orientando os municípios relativamente aos procedimentos de gestão de pontes. Alguns municípios, que não possuem capacidade técnica para realizar as atividades de gestão, têm reconhecido a importância e a contribuição das instituições de investigação através do estabelecimento de protocolos ou cooperando na realização de trabalhos sobre esta temática. Assim, para elaboração de regulamentos ou documentos normativos, sugere-se o estabelecimento de um grupo de trabalho com representantes da IP, dos municípios e de entidades de investigação.

Apesar de muitas das atividades de gestão de pontes exigirem recursos humanos com formação e competência técnica, algumas atividades podem ser realizadas pelas juntas de freguesia sem a necessidade de um acompanhamento técnico especializado. Devido ao efeito de proximidade, as juntas de freguesia podem ainda proceder regularmente a ações de manutenção básicas, nomeadamente a limpeza de vegetação e detritos, principalmente nas freguesias com características mais rurais. Essa atividade pode ser realizada através de recursos humanos próprios com funções compatíveis ou através da criação de brigadas municipais.

Sugere-se também a criação de um observatório para disponibilização de documentação técnica e de casos de estudo, permitindo o acesso público a toda a informação e estabelecendo assim uma ligação com a sociedade civil. Esta é também uma forma das entidades municipais publicarem as informações de que dispõem sobre o acompanhamento das pontes, no sentido de colmatar a lacuna de informação existente sobre esta matéria.

Alguns municípios já implementaram sistemas de gestão, como o de Lisboa por exemplo. Outros já começaram com o processo de inventariação. Outros ainda nada fizeram. E o processo não é assim tão complicado e dispendioso. Por exemplo, o município de Barcelos inventariou recentemente mais de uma centena de pontes sem recurso a equipamentos especiais, como plataforma elevatória ou acesso por cordas ou barcos, utilizando apenas ferramentas e equipamentos expeditos e correntes, como fitas métricas, telemóvel, escada telescópica e fios de prumo. A limitação de verbas para a realização de um inventário mais detalhado não inviabilizou a realização do mesmo, existindo apenas algumas inspeções de inventário incompletas, essencialmente referentes à medição da altura de pilares inseridos em águas profundas. Note-se também que o investimento municipal na realização do inventário não foi avultado. O valor investido corresponde apenas a 0,3% do valor que o município de Barcelos irá investir para, em quatro anos, pavimentar e acabar com os caminhos em terra batida no concelho. Mas a inventariação é apenas o primeiro passo. É necessário também definir um procedimento de gestão.

Não podemos esperar por novos desastres, que geralmente ocorrem debaixo de fenómenos naturais extremos, tais como chuvas intensas e inundações. Também não podemos permitir que alguns municípios fiquem para trás. É necessário criar um plano municipal de gestão de pontes ou de infraestruras de forma geral. O Estado pode delegar competências, mas não poderá delegar responsabilidades.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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