PS defende Pedro Nuno e pedem-se “explicações” a Medina. Esquerda critica Governo sem atacar ex-ministro

Socialistas consideram que Pedro Nuno Santos deixa obra feita e ainda pode liderar o PS. PCP, BE e Livre pedem menos privilégios para os grupos económicos.

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Pedro Nuno Santos apresentou esta quarta-feira a demissão ao primeiro-ministro LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Embora à direita se peça a demissão do Governo e se apresentem moções de censura ao executivo no seguimento da demissão do ministro das Infra-estruturas e da Habitação, no PS o tom é de defesa de Pedro Nuno Santos. À esquerda, PCP, Bloco e Livre também não atacam o ex-ministro, que foi o principal interlocutor com o Governo no tempo da "geringonça", mas criticam o "regime de privilégio" dado aos grupos económicos pelo Governo. Bloquistas e Rui Tavares, deputado único do Livre, pedem mais "esclarecimentos" — sendo que o Bloco admite que venham a existir mais "consequências" — e outra forma de governação.

Em conferência de imprensa na sede nacional do PCP, Jorge Pires, membro da comissão política do partido, sustentou que "mais do que a demissão deste ou daquele ministro", o que o caso da TAP "releva são as opções políticas que levam à adopção de práticas em vigor nos grupos económicos e financeiros quanto ao estatuto de gestores" que, diz, estão em "chocante contraste com a realidade dos trabalhadores que viram as suas indemnizações por despedimento reduzidas" durante a troika. E que, nota, "continuam a não ser revistas e valorizadas".

"Mais do que saber quais os próximos titulares, o interesse nacional exige que seja revertido o processo de privatização da TAP", reiterou, exigindo ainda o "aumento dos salários e das pensões, o controle dos preços" ou a "valorização dos serviços públicos".

O comunista garantiu não querer "desvalorizar o significado político" da demissão de Pedro Nuno Santos, mas o facto é que preferiu não se pronunciar sobre a saída do ministro, que foi o seu principal interlocutor nas negociações com o Governo da "geringonça", entre 2015 e 2019, enquanto secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

Do lado do Bloco de Esquerda (BE), o líder da bancada, Pedro Filipe Soares, também não criticou nem defendeu Pedro Nuno, mas fez mira a Fernando Medina. Em conferência de imprensa na sede do Porto, declarou que "há ainda esclarecimentos e responsabilidades a pedir" ao primeiro-ministro e ao ministro das Finanças relativamente ao "regime de privilégio da TAP" e aos "pagamentos com dúvidas de legalidade" nesta entidade. E assegura mesmo que, prestados esses esclarecimentos, o Bloco lá estará para "exigir" as "consequências políticas que daí advierem".

"A demissão de Pedro Nuno Santos não esgota este caso", defendeu, considerando que o Ministério das Finanças "não pode alegar que não conhecia" a existência da indemnização de 500 mil euros à ex-secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, visto que a TAP se trata de uma "empresa intervencionada pelo Estado".

O deputado sustentou também que, depois deste caso, o executivo "deve uma outra governação ao país", acusando o Governo de "falta de rumo", de não ter "projecto para o país" e de uma ausência de "perspectiva estratégica". Para o bloquista, os nove meses de governação socialista mostram que o executivo "perde mais tempo nas falhas de coordenação interna do que na governação do país" e que "António Costa falha em trazer tranquilidade à vida das pessoas em momentos tão difíceis".

Acusando o Governo de ter "amigos" com "regimes especiais", Pedro Filipe Soares criticou ainda a recusa do PS "em atacar o abuso dos que, a coberto da inflação, fazem lucros milionários" e "sacrificam ainda mais as pessoas".

Do lado do Livre, Rui Tavares coloca a responsabilidade no primeiro-ministro, mais do que em Pedro Nuno Santos ou até Fernando Medina. Para o deputado único, as sucessivas demissões no Governo tornam evidente que existe um "problema de metodologia que devia ser corrigido" face à falta de "escrutínio prévio" dos governantes, assim como um "problema de liderança e coordenação política" por parte de António Costa, diz ao PÚBLICO.

Assumindo que estamos perante uma "crise política no Governo" que não ficou resolvida com a demissão do ministro, Rui Tavares defende, por isso, que é necessário "um ano novo do ponto de vista da transparência e exigência", tanto a nível interno, no Governo, como a nível das políticas públicas, no sentido de se acabar com "os privilégios gritantes e inaceitáveis" que existem, para mais, no seio da administração pública.

Mais do que a moção de censura entregue pela IL (da qual acredita que o Governo vai sair "revigorado"), a dissolução da Assembleia da República pedida pelo CDS ou o debate de urgência requerido pelo PSD, o deputado considera que o foco dos partidos deve estar em "pedir esclarecimentos".

PS destaca "trabalho da maior importância"

Esta quinta-feira, as ministras da Justiça e da Agricultura destacaram o trabalho desenvolvido por Pedro Nuno Santos nos sete anos que esteve no Governo, destacando o seu legado particularmente nas pastas da ferrovia e da habitação.

Em entrevista à TVI, Catarina Sarmento e Castro, defendeu que "há um antes e um depois de Pedro Nuno Santos na área da habitação e da ferrovia". E Maria do Céu Antunes afirmou, no mesmo programa, que o comunicado de António Costa "expressa o sentimento" de todos os membros do Governo: o de que o ex-ministro fez um trabalho "da maior importância" e de que "deixa um legado" tanto devido ao Plano Nacional da Ferrovia como às políticas na habitação.

Sobre a fragilidade do executivo, a ministra da Justiça sustentou que o Governo continua "coeso, dinâmico e com vontade de fazer coisas". "Continuamos a responder ao programa do Governo com energia e muita vontade de trabalhar", assegurou. Já a ministra da Agricultura sustentou que uma possível remodelação do executivo "cabe ao primeiro-ministro". "Aquilo que é nossa responsabilidade é dar corpo às políticas que queremos levar por diante", disse.

Em contraponto, a ex-ministra e actual deputada Alexandra Leitão destacou a "enorme dignidade e humildade" com que Pedro Nuno Santos sai do executivo, considerou que o socialista permanece como um “activo fundamental para PS e o país" e mostrou a convicção de que "ainda terá futuro nessa dimensão”. Em declarações à CNN Portugal, a deputada atirou contra Fernando Medina ao defender que “são precisas explicações sobre a escolha, sobre quem a escolheu, os cidadãos merecem explicações cabais e substantivas”.

Hugo Costa, coordenador do grupo parlamentar do PS da Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, também quis “sublinhar os sete anos como ministro e secretário de Estado” de Pedro Nuno Santos. Em declarações à RTP, elogiou a “ética republicana” do ministro por se ter demitido ao perceber que seria “o melhor para o país e para o Governo”.

Questionado sobre se o Governo sai mais fragilizado com este caso, o deputado socialista sustentou que “ninguém fica satisfeito com a demissão", mas assegurou que “o PS tem todas as condições para continuar a governar bem” e que não são “necessárias” quaisquer “alterações legislativas”.

Hugo Costa salientou, ainda assim, que o Governo deve “tentar perceber as razões no seio das falhas de comunicação e resolver esses problemas”. Quanto às responsabilidades a serem retiradas, considerou que “a partir do momento em que existe um assumir público das responsabilidades políticas a situação está resolvida” e que, mais do que do primeiro-ministro, “em primeiro lugar, a responsabilidade é da pessoa que aceita o cargo sem ter um passado limpo”.

Ana Gomes, ex-candidata à presidência e que nessa candidatura contou com o apoio de Pedro Nuno, reagiu também à demissão do ministro esta manhã. Numa publicação no Twitter, a socialista elogiou Pedro Nuno Santos tanto pela decisão de se demitir como pela obra que deixou enquanto ministro das Infra-estruturas e da Habitação e disse ainda esperar que o socialista, que já se apontou como sucessor de António Costa, possa “revigorar” o PS.

“Pedro Nuno Santos sai, como sempre esteve no Governo: com seriedade, convicção e dignidade. E com ambição para o país. A tempo de revigorar o Partido Socialista, espero”, afirmou.

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