Eutanásia: Chega vai reclamar da redacção final do diploma

O líder parlamentar, Pedro Pinto, esteve presente na reunião em que se fixou a redacção final, mas não falou sobre o assunto, dando a sua anuência implícita a que o texto se mantivesse como estava.

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André Ventura tenta adiar envio da lei para Belém LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

O Chega anunciou esta quinta-feira que vai reclamar da redacção final fixada pelos deputados para a lei da morte medicamente assistida, porque identificou "três alterações significativas no texto final", e acredita que o Presidente da República apenas receberá o diploma no próximo ano. Após o anúncio, a questão foi levantada na sessão plenária, gerando uma troca de palavras azeda entre o Chega e o presidente da Assembleia da República. BE e PS acusaram André Ventura de "manobras dilatórias".

"O Chega decidiu hoje reclamar da versão final da legislação aprovada neste Parlamento em matéria de eutanásia", anunciou o presidente do partido, que falava aos jornalistas na Assembleia da República, em Lisboa. André Ventura disse que, com esta iniciativa do seu grupo parlamentar, "provavelmente haverá um atraso" no processo legislativo, e estimou que o diploma siga para o Presidente da República "no início do próximo ano".

Na quarta-feira, os deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais fixaram a redacção final do texto sobre a morte medicamente assistida, sem qualquer alteração. O líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, esteve presente nesse momento, mas não falou sobre o assunto, dando a sua anuência implícita a que o texto se mantivesse exactamente como foi aprovado em votação final global a 9 de Dezembro.

O Regimento da Assembleia da República estipula que, caso existam reclamações contra inexactidões, estas podem ser apresentadas por qualquer deputado "até ao terceiro dia útil após a data de publicação no Diário do texto de redacção final". Caberá depois ao presidente da Assembleia da República decidir sobre as reclamações no prazo de 24 horas, "podendo os deputados reclamantes recorrer para o plenário ou para a Comissão Permanente [órgão que funciona nas férias parlamentares] até à reunião imediata à do anúncio da decisão".

Se o Chega insistir nisso, consegue remeter a conclusão do diploma para o próximo ano, já que na próxima semana não há plenários marcados. As sessões plenárias são retomadas a 4 de Janeiro.

André Ventura salientou que "esta é uma iniciativa única e exclusivamente do Chega" e o seu partido não está a "tentar atrasar o processo com meios dilatórios", mas "quer que a vontade que tenha sido definida no Parlamento [seja] a que [fica] plasmada na lei".

"Estas alterações foram logo identificadas pelo deputado Pedro Frazão, que é quem nos representa na comissão de Saúde, o deputado submeteu-me ontem [quarta-feira] ao final do dia estas considerações, eu decidi enviar ao nosso gabinete jurídico para uma avaliação mais aprofundada, saber se tínhamos ou não condições para que isto acontecesse, esta manhã o gabinete jurídico entendeu que havia condições para fazer uma reclamação nos termos regimentais, e é isso que vamos fazer", explicou.

O processo legislativo sobre a morte medicamente assistida tem decorrido no âmbito da comissão de Assuntos Constitucionais, que é considerada a comissão competente, e não na comissão de Saúde.

PS acusa Chega de "terrorismo parlamentar"

Segundo o Chega, a reclamação vai incidir em três aspectos: foi acrescentado que os prazos são apenas contados nos dias “úteis” e foi retirada a palavra “máximo” em todas as referências ao prazo, passando a constar apenas “prazo”. O Chega também refere que foi acrescentado ao art. 17, n.º 2, a obrigação de apresentação de relatório final nos casos em que o procedimento seja encerrado sem que tenha ocorrido a morte medicamente assistida do doente, seja por decisão médica ou parecer desfavorável da CVA, ou por “revogação” do pedido do doente. Esta palavra não consta do texto final votado na comissão de Assuntos Constitucionais.

No plenário desta tarde, Pedro Filipe Soares, líder da bancada do BE, dirigiu-se ao presidente da Assembleia da República para suscitar a questão do anúncio do Chega sobre a reclamação, o que levou Augusto Santos Silva a assumir que também soube da iniciativa através das notícias. As intervenções levaram a um momento tenso no plenário.

Isabel Moreira, deputada do PS, acusou o Chega de tentar uma “manobra dilatória de quem está a fazer terrorismo parlamentar”, uma acusação que foi corroborada por Pedro Filipe Soares, lembrando que o Chega votou favoravelmente a fixação da redacção final do texto nesta quarta-feira.

Na resposta às várias intervenções, e depois de chamar a atenção para a linguagem e as expressões “ofensivas” usadas por André Ventura, o presidente da Assembleia da República disse que irá ler a reclamação para ver se tem fundamento, lembrando que a sua decisão é recorrível, mas que o próximo plenário só se realiza a 4 de Janeiro. Santos Silva acusou o Chega de fazer “várias tentativas de procedimentos dilatórios [sobre] uma deliberação tomada por maioria”, o que levou a mais uma queixa de Ventura.

“Lamento que o presidente, antes de receber uma reclamação, diga que é um expediente dilatório. Nem o pior dos tribunais soviéticos fazia isto. É uma vergonha”, atirou o líder do Chega. Santos Silva respondeu, argumentando que o partido vai apresentar uma reclamação de um texto que “aprovou em comissão”.

O líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, pediu a palavra para sugerir que, se o Chega ainda entregasse a reclamação durante o plenário desta tarde, a sua bancada esperava pela decisão de Santos Silva e do recurso para plenário de forma a não atrasar o envio do diploma para Belém. Mas ficou sem resposta.

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