Verdade e consequência

A verdade que Isaltino Morais não gosta de admitir, nem quer que se saiba, é que o seu modelo de construção excessiva agrava os problemas que enfrentamos e que serão cada vez mais frequentes.

O jornalismo é um pilar fundamental da democracia. Compete ao jornalismo verificar, confirmar, investigar, ouvir o contraditório e não se limitar a transmitir o que os governantes querem que se saiba.

As catástrofes ambientais, como cheias e inundações com elevados prejuízos e vítimas, têm sempre na sua origem uma conjugação de fatores: naturais, como a precipitação intensa e concentrada; e humanos, como a forma como usamos e ocupamos o território.

Em Oeiras temos o mesmo autarca, Isaltino Morais, à frente do município desde 1986 (foi eleito pela primeira vez em 1985, tendo tomado posse em janeiro do ano seguinte), com dois interregnos, quando integrou o XV Governo como ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente de Durão Barroso e anos seguintes (2002-2003 até 2005) e quando não se pôde recandidatar, apoiando o seu então braço direito, Paulo Vistas (mandato 2013-2017), no decurso do processo em que foi condenado por fraude fiscal e branqueamento de capitais, tendo cumprido pena de prisão efetiva.

É, por isso, impossível negar a responsabilidade política de Isaltino Morais na gestão do território de Oeiras, para o bem e para o mal, nas últimas três décadas e meia. Mas o que temos assistido nestes últimos dias nas televisões, praticamente sem contraditório, é um enjeitar de responsabilidades e um passar de culpas para os municípios vizinhos, para o Governo, e até para as folhas que teimam em cair nesta época do ano.

O hábito de passar as culpas para outros é, aliás, habitual em Isaltino Morais. O próprio nunca assume a autoria, nem qualquer responsabilidade, por erros cometidos, dizendo que quem propôs ou aprovou determinado plano ou obra nem sequer foi ele.

Foi assim quando o tribunal decretou a suspensão provisória do Plano de Pormenor da Margem Direita da Foz do Jamor, por suspeita de ilegalidade, travando assim a construção do empreendimento Porto Cruz, na Cruz Quebrada, em leito de cheia do Jamor e rente ao Tejo. Isaltino Morais apressou-se a dizer que não tinha sido ele a aprovar o Plano, quando sabemos que esteve envolvido e é um defensor acérrimo do projeto desde o início.

É assim quando, perante as críticas à aprovação de uma autêntica muralha de betão no Parque Urbano de Miraflores, o empreendimento parque dos Cisnes, que está a ser erguido ao lado da Ribeira de Algés, culpa o Governo por ter aprovado o plano nos anos 80 do século passado, quando é sabido que a Câmara Municipal de Oeiras – Isaltino Morais – teve várias décadas para evitar mais este atentado urbanístico, que não se concebe poder ter sido aprovado já neste século, com os alvarás a serem passados há dois anos e no ano passado.

A verdade que Isaltino Morais não gosta de admitir, nem quer que se saiba, é que o seu modelo de construção excessiva agrava os problemas que enfrentamos e que serão cada vez mais frequentes. O Plano Diretor Municipal de Oeiras recentemente alterado, num processo questionável de que se aguardam conclusões da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), permite uma expansão urbana desenfreada e construção em zonas que deveríamos estar a salvaguardar precisamente para proteção de pessoas e bens no futuro.

Os empreendimentos imobiliários que Isaltino Morais se propõe fazer no Alto da Boa Viagem, junto ao complexo desportivo do Jamor, ou a operação urbanística Aquaterra Masterplan, no sopé da Serra de Carnaxide, em zonas importantes para a infiltração e retenção de água, são mais dois exemplos que não nos podem deixar descansados.

Como não nos deixa nada descansados a forma displicente como Isaltino Morais autorizou, à margem da lei, a realização de um gigantesco aterro que interseta as seguintes tipologias da Reserva Ecológica Nacional (REN) – leitos de cursos de água, cabeceiras de linhas de água, áreas de infiltração máxima e áreas com risco de erosão – na freguesia de Porto Salvo.

A culpa não é das alterações climáticas, é mesmo da atividade humana, que, aliás, também está na origem da mudança do clima. Perante fenómenos extremos, que sabemos estarem a tornar-se mais frequentes, temos ainda uma maior obrigação em seguir o princípio da precaução no planeamento e na gestão do território.

O jornalismo deve procurar a verdade. Os políticos devem assumir as responsabilidades das consequências dos seus atos.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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