Acordo na UE sobre vasta reforma do mercado de carbono

O acordo elimina gradualmente os “direitos de poluição” gratuitos atribuídos à indústria. Ambientalistas queriam mais.

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Reuters/PAWEL KOPCZYNSKI

Eurodeputados e Estados-membros da UE chegaram este domingo a acordo sobre uma vasta reforma do mercado de carbono europeu, fundamental no plano climático dos “27”.

O acordo aumenta as ambições do actual mercado de carbono da UE, eliminando gradualmente os “direitos de poluição” gratuitos atribuídos à indústria.

Ao mesmo tempo, prevê cobrar pelas emissões provenientes do aquecimento de edifícios e do transporte rodoviário, com um limite de preço para evitar sobrecarregar as famílias, de acordo com uma declaração do Parlamento Europeu sobre o acordo alcançado ao fim de cerca de 30 horas de duras conversações.

Para cobrir as emissões de dióxido de carbono (CO2), os produtores de electricidade e as indústrias de energia intensiva (como aço e cimento) na UE devem actualmente adquirir "licenças de poluição" no Regime de Comércio de Emissões da União Europeia (ETS), criado em 2005 e aplicável a 40% das emissões do continente.

Nos termos do acordo, o ritmo de redução das licenças propostas será acelerado, com uma redução de 62% até 2030, em comparação com 2005 (e com o objectivo anterior de 43%), o que significa que as indústrias em causa serão obrigadas a reduzir as emissões em 62%.

O mercado do carbono será gradualmente alargado ao sector marítimo, às emissões dos voos no espaço europeu, para os quais as licenças gratuitas actualmente atribuídas serão abolidas, e a partir de 2028 aos locais de incineração de resíduos (sujeito a um estudo favorável por Bruxelas).

Em troca da introdução de uma "taxa sobre o carbono" nas fronteiras, a UE vai gradualmente eliminar as licenças de emissão gratuitas distribuídas até à data aos fabricantes europeus para lhes permitir competir com as empresas não europeias.

Pelo menos 48,5% destes "direitos de poluir" gratuitos serão abolidos até 2030 e vão desaparecer completamente até 2034, um calendário que foi objecto de uma acesa disputa entre os eurodeputados e os Estados-membros.

Outra questão controversa foi a proposta da Comissão Europeia de criar um segundo mercado de carbono (ETS2) para o aquecimento de espaços e combustíveis rodoviários.

Dado o impacto social da medida, os deputados europeus defenderam a aplicação inicial a edifícios de escritórios e veículos pesados de mercadorias.

No final, as famílias vão pagar um preço de carbono sobre o combustível e gás ou aquecimento a partir de 2027, mas este preço será limitado até 2030, e se o actual aumento dos preços da energia continuar, a aplicação será adiada por um ano.

As receitas do novo mercado vão ser utilizadas para financiar um Fundo Climático Social de 86,7 mil milhões de euros, que foi criado para ajudar as famílias e empresas vulneráveis com a transição energética.

Zero lamenta “falta de ambição”

A associação ambientalista Zero lamentou a “falta de ambição” da União Europeia (UE) nas negociações de revisão do mercado de carbono.

“O resultado das negociações alcançado na madrugada de sábado é claro: a UE deixou escapar a oportunidade de reforçar a ambição climática, continuando, ao invés, a permitir a distribuição de milhões de licenças de poluição gratuitas à indústria”, criticam os ambientalistas, em comunicado.

“Os negociadores não foram além do nível de ambição proposto pela Comissão e resignaram-se com uma redução de emissões na ordem dos 62% para os sectores do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE) até 2030. Este valor fica claramente aquém da redução de 70% necessária para que a UE, um contribuidor histórico para a actual crise climática (...), cumprisse com a sua quota-parte justa para limitar o aquecimento global a 1,5°C, tal como consagrado no Acordo de Paris”, aponta a Zero.

“Os co-legisladores optaram por continuar a alimentar a indústria com licenças de poluição gratuitas, que só serão completamente eliminadas em 2034”, uma decisão que, defende a Zero, “não só atrasa a redução de emissões nos sectores altamente poluidores do CELE (cimentos, aço, alumínio, etc), como mancha a credibilidade de todo o mecanismo”.

Isto porque, “enquanto se espera que o cidadão comum pague pelas emissões nos edifícios e transporte rodoviário, os governos da UE continuam a distribuir centenas de milhares de milhões em licenças gratuitas para a indústria”.

Os ambientalistas defendem como sendo “absolutamente crucial” a aplicação do princípio do poluidor-pagador, “ao mesmo tempo que se direccionam apoios dedicados à transição das famílias de baixos rendimentos através do Fundo Social para a Acção Climática”.

No entanto, para a Zero, “não deixa de ser positivo que os co-legisladores tenham determinado que o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) seja aplicado a partir de 2026, com uma redução de quase metade das licenças gratuitas atribuídas aos sectores CBAM até 2030”.

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