Binge eating é mais comum do que se pensa. Eis o que precisas de saber

Enquanto o número de casos de perturbação do comportamento alimentar compulsivo continua a aumentar, este distúrbio alimentar continua a ser vivido à margem do conhecimento por parte da população.

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A perturbação do comportamento alimentar compulsivo afecta a relação com a comida e o peso Getty Images

Jonathan Van Ness, personalidade de televisão e cabeleireiro, partilhou, recentemente, nas suas redes sociais que tem vindo a travar uma guerra com a alimentação e o peso após “anos a sentir-se fora de controlo com a comida”. Afirmou sofrer de perturbação do comportamento alimentar compulsivo (mais conhecida pela expressão em inglês, binge eating), um distúrbio alimentar caracterizado pelo consumo de grandes quantidades de comida acompanhado pela sensação de perda de controlo.

A perturbação do comportamento alimentar compulsivo é talvez o distúrbio alimentar mais comum e afecta entre 0,6% a 2,3% da população mundial. Estima-se que se desenvolva duas a três vezes mais que a anorexia nervosa e alguns dados mostram que o número de casos está a aumentar. Apesar de ser tão comum, muitos continuam sem ter consciência que existe. De facto, grande parte das pessoas que faz binge eating não sabe que sofre desta condição, o que significa que o diagnóstico apenas acontece com 30 ou 40 anos.

Dadas as complicações que podem surgir, a consciencialização promovida por pessoas como Van Ness mostra-se eficaz para que outros procurem a ajuda que precisam, invés de sofrerem sozinhos durante vários anos. Eis o que precisas de saber.

Sentir-se fora de controlo

Aquilo que distingue a perturbação do comportamento alimentar compulsivo de períodos ocasionais em que se come demais ou períodos de alimentação emocional é a sensação de perda de controlo ao comer ou deixar que isto interfira no dia-a-dia.

Outros sinais de binge eating incluem:

  • Comer até se sentir desconfortável por estar tão cheio;
  • Comer grandes quantidades de comida, mesmo sem ter fome;
  • Comer mais rápido que o normal;
  • Sentimentos como nojo, culpa ou mau humor depois de comer.

Com a ajuda certa, muitas vezes é possível identificar esta condição antes que se desenvolvam problemas sérios. É importante que seja detectada cedo, pois pode levar a outros problemas de saúde, como obesidade, diabetes tipo 2 e colesterol alto.

Também é comum que se desenvolvam problemas de saúde mental, com até 70% dos pacientes a relatar transtornos de humor, como depressão ou ansiedade. Cerca de um quarto das pessoas com perturbação do comportamento alimentar compulsivo já se tentaram suicidar. Esta perturbação pode afectar gravemente a vida diária e pode traduzir-se em fraco desempenho escolar e baixas taxas de empregabilidade.

Uma ironia trágica do diagnóstico tardio é ser uma condição altamente tratável. A maioria das pessoas recebe os tratamentos psicológicos recomendados, como terapia cognitivo-comportamental, que pode ajudar a entender os factores que desencadeiam a compulsão alimentar e também ajudar a aprender hábitos alimentares mais saudáveis​ e mecanismos para lidar com a condição. Os tratamentos psicológicos podem ser altamente eficazes tanto para ajudar a parar de comer compulsivamente como para melhorar os sintomas de outras condições de saúde mental que possam ter desenvolvido, como a depressão.

Verificou-se que tratamentos à base de medicação, como antidepressivos, são úteis na redução da compulsão alimentar. No entanto, têm efeitos secundários associados como dores de cabeça, insónias, náuseas e fadiga e são, em média, menos eficazes que a terapia psicológica.

Outro elemento-chave ao recuperar de um distúrbio alimentar é aprender a mudar a relação com a comida. No post publicado na rede social Instagram, Van Ness afirmou que este ponto foi fundamental na recuperação. Disse, ainda, que uma das coisas que aprendeu a fazer foi priorizar o tempo para comer e planear refeições.

Pedir ajuda

Embora estejam em jogo diversos factores, esta condição é geralmente incentivada por acontecimentos negativos ou emoções, tais como aborrecimento, tristeza ou ansiedade, ou gatilhos psicológicos, como estar chateado. Pessoas que façam binge eating também podem considerar extremamente difícil controlar as emoções, o que se traduz em ciclos viciosos de mau humor e de alimentação compulsiva.

Alguns indícios de que podes estar a desenvolver perturbação do comportamento alimentar compulsivo são mudanças no comportamento alimentar como comprar muita comida ou comer mesmo que não estejas com fome ou passares muito tempo a pensar em comida. A compulsão alimentar não é uma experiência agradável e muitas vezes as pessoas sentem medo, vergonha ou culpa pelos sintomas, tornando particularmente difícil falar sobre essas experiências.

Se achas que sofres de perturbação do comportamento alimentar compulsivo, fala com um médico o mais rapidamente possível para que possas ser encaminhado para um especialista. Embora possa parecer assustador, preparares-te com antecedência pode ajudar. Pensa no que vais dizer, o que te preocupa e que dúvidas tens. Se necessário, leva um amigo contigo.

Se conheces alguém que desenvolveu este transtorno, pode ajudar teres uma conversa honesta, sem julgamento e onde expões o que te preocupa. Começa por tentar entender aquilo com que a outra pessoa está a lutar e incentiva-a a procurar ajuda.

Apesar dos relatos de pessoas como Van Ness, a perturbação do comportamento alimentar compulsivo continua a ser uma doença frequentemente negligenciada e pouco falada. Existem barreiras tanto para pacientes como para profissionais, e tem-se falado que o binge eating pode estar a ser desvalorizado pelos media. Deturpar a doença e falar menos sobre ela do que sobre outros problemas de saúde pode tornar mais difícil que os pacientes assumam que a têm. Aumentar a consciencialização não apenas as incentiva a procurar tratamento, mas também a reduzir o estigma.


Exclusivo P3/The Conversation
Paul Jenkins é professor de Psicologia Clínica, Universidade de Reading

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